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Denunciado por suposta ameaça à missionária norte-americana assassinada em 2005, Silvério Fernandes circulava entre ruralistas de peso nacional em churrasco na Agrizone, na COP30, na noite de segunda-feira

Por Daniel Camargos e Hélen Freitas

DE BELÉM (PA) — A fumaça de uma churrasqueira modesta invadia todo o salão fechado da Agrizone, onde homens, quase todos brancos e muitos usando chapéu, seguravam marmitinhas de papel com picanha, arroz carreteiro, feijão tropeiro, farinha e vinagrete. Entre eles, de chapéu de palha, estava Silvério Fernandes, madeireiro ligado a diversos conflitos agrários de Anapu e Altamira, na região do Vale do Xingu, no Pará. 

Na noite desta segunda-feira (17), Silvério estava na primeira fila da plateia durante a cerimônia que antecedeu o churrasco promovido pela Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne), parte do Dia da Pecuária Sustentável dentro da Agrizone, o pavilhão do agronegócio que integra a programação oficial da COP30. Depois, circulou entre dirigentes, políticos e empresários.

Em 2002, três anos antes do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, Silvério teria ameaçado diretamente a religiosa ao oferecer-lhe uma carona e afirmar que, se alguém invadisse suas terras, “teria sangue até a canela”. 

Dorothy registrou o episódio na Polícia Federal. Após o assassinato da missionária, o pistoleiro condenado pelo crime, Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, se escondeu na fazenda de Délio Fernandes, irmão de Silvério. Délio foi investigado como possível mandante, mas não chegou a ser julgado. Silvério também não foi responsabilizado.

Na noite de segunda-feira, Silvério circulava entre ruralistas de peso nacional. Ao seu lado estavam o presidente da Faepa, Carlos Xavier, e o vice-presidente da CNA, Gedeão Pereira. 

Dois servidores da fiscalização agropecuária estadual comiam à mesa, enquanto o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, apareceu rapidamente. “Hoje é dia de descontração”, disse ele, segurando um copo de cerveja e recusando-se a conceder entrevista.

No palco, a banda Frutos da Nossa Terra, formada por cinco senhores, tocava sucessos da MPB. Enquanto executavam O bêbado e o equilibrista, canção marcada por referências às vítimas da ditadura, os convidados comiam e bebiam em clima de confraternização.

Em uma entrevista ao telefone, em 2018, Silvério ameaçou a reportagem, afirmando em tom intimidador que queria olhar nos olhos do repórter. Ao ser questionado se fazia uma ameaça, respondeu: “Que ameaça o quê? Vai te foder, rapaz”.

A reportagem procurou nesta terça-feira (18) por mensagem a assessoria de imprensa da Faepa — federação que representa produtores rurais do Pará e da qual Silvério é conselheiro fiscal efetivo e coordenador do núcleo regional da Transamazônica —, para perguntar sobre a participação do produtor no “churrasco sustentável” e seu histórico de envolvimento em conflitos agrários. Não houve, contudo, resposta até o momento.

Também procurou o irmão dele, Délio Fernandes, pedindo que repassasse os questionamentos, igualmente sem retorno. Diante da ameaça registrada no passado, a reportagem optou por não abordá-lo diretamente durante o evento.

Quem é Silvério Fernandes?

Ao longo de mais de duas décadas, Silvério esteve ligado a disputas por terra e a denúncias de ameaças e intimidação de trabalhadores rurais e defensores da reforma agrária. Em 2018, ele liderou o movimento que levou à prisão do padre José Amaro, sucessor de Dorothy em Anapu. 

O religioso foi acusado de formação de quadrilha, extorsão e invasão de terras, acusações que sempre negou e das quais acabou inocentado. Naquele ano, Silvério era presidente do Sindicato Rural de Anapu, havia sido vice-prefeito de Altamira, candidatou-se a deputado estadual e atuava como cabo eleitoral de Jair Bolsonaro, que chegou a gravar vídeo apoiando seu nome.

A ofensiva de Silvério se intensificou após a morte de seu irmão, Luciano Fernandes, em maio de 2018. Logo após o crime, ele gravou um vídeo com a camisa ensanguentada acusando invasores de terra, mas as investigações apontaram que a morte ocorreu em meio a conflitos envolvendo exploração de madeira. 

A sinergia com o bolsonarismo ficou evidente em julho de 2018, na Curva do S, trecho da BR-155 onde ocorreu o massacre de Eldorado dos Carajás. Antes de Jair Bolsonaro defender publicamente os policiais condenados pela morte de 19 trabalhadores do MST, o palanque foi ocupado por lideranças do ruralismo armado, entre elas Luiz Antonio Nabhan Garcia, então dirigente da União Democrática Ruralista, organização historicamente alinhada à repressão contra trabalhadores rurais. Silvério estava em cima do trio elétrico naquele dia.

Silvério também participou do tumulto que interrompeu a abertura do evento “Amazônia, Centro do Mundo”, em novembro de 2019, na Universidade Federal do Pará em Altamira. O encontro era uma atividade acadêmica da universidade e discutia desmatamento, grandes obras de infraestrutura, queimadas e mudanças climáticas. 

O auditório estava lotado quando um grupo de ruralistas, entre eles Silvério, avançou em direção à mesa e exigiu que o Hino Nacional fosse executado antes das falas. O gesto provocou empurra-empurra com indígenas, ribeirinhos, agricultores e movimentos sociais, obrigando a haver intervenção da Polícia Militar e da Polícia Federal.

Atualmente, Silvério é conselheiro fiscal efetivo da Faepa e coordenador do núcleo regional da Transamazônica, que reúne os sindicatos de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Placas, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu.

Esta reportagem foi produzida por Repórter Brasil, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em https://reporterbrasil.org.br/2025/11/ruralista-ameacou-dorothy-circula-churrascao-agro-cop30/ 

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