Nesta primeira semana de COP 30 um contraste simbólico ajuda a explicar o clima — não apenas o meteorológico — que paira sobre Belém. De um lado, a contundência incômoda do colombiano Gustavo Petro, que fala em “fracasso declarado” da humanidade diante da crise climática e aponta sem hesitação para os culpados: o lobby do petróleo, do carvão e do gás, a cobiça que “vai contra a vida”, e a omissão de grandes potências, personificada na ausência de Donald Trump na Cúpula do Clima. Do outro, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, que prefere a tessitura cuidadosa, o fio diplomático que busca conciliar interesses e construir pontes em um momento em que muitos já não acreditam mais em caminhos intermediários.
Por Reinaldo Canto –
As duas posições, embora opostas no tom e no alcance, dizem muito sobre o espírito desta conferência — talvez mais fragmentado do que nunca, dividido entre a urgência científica e o pragmatismo político; entre o colapso já descrito por Petro e a aposta gradualista de Corrêa do Lago.
Ao apresentar o Brasil como um país em posição “especial” para liderar o debate sobre o fim dos combustíveis fósseis, André Corrêa do Lago tenta ocupar um espaço que, mais do que estratégico, é paradoxal: o Brasil é simultaneamente produtor crescente de petróleo e dono de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. É nesse paradoxo que o diplomata constrói sua narrativa.
Sua visão de “ponte” — entre o petróleo que ainda sustenta parte relevante da economia e as energias limpas que o país já domina — pretende conferir ao Brasil credibilidade para mediar as negociações globais sobre a transição energética. É uma leitura realista e, sobretudo, conciliatória.
Corrêa do Lago não ignora o debate sobre o fim dos fósseis, mas o enquadra em termos de transição e pragmatismo. A COP30, nos seus planos, deve ser lembrada como a “COP da adaptação”, um gesto que reconhece não apenas o que deve ser mitigado, mas o que já está perdido — e que precisa ser enfrentado com políticas de sobrevivência.
É a diplomacia clássica: moderar expectativas, aproximar lados conflitantes, evitar rupturas abruptas. Mas é justamente essa acomodação que parte da sociedade civil tem denunciado nas ruas, manifestando desconforto com o que consideram ser um excesso de concessões num momento que exigiria rupturas.
A contundência desconfortável de Petro
No extremo oposto do espectro está Gustavo Petro, cuja fala na manhã de 6 de novembro rompeu a bolha habitual dos discursos cuidadosamente modulados. Para ele, a humanidade está diante de um “fracasso declarado”, conduzida ao ponto de não retorno por interesses corporativos fossilizados. O tom é de denúncia — e não de conciliação.
Petro nomeia o inimigo: o lobby do petróleo, carvão e gás, cuja influência, segundo ele, permeia “todas as COPs”. É a crítica que ecoa em muitas das manifestações recentes contra a “captura” das conferências climáticas por empresas fósseis — um tema recorrente e cada vez mais incômodo para a ONU.
Sua crítica à ausência de Donald Trump na Cúpula do Clima adiciona uma camada geopolítica explícita: sem os Estados Unidos, diz Petro, não há saída possível. A descarbonização americana, na visão do colombiano, não é apenas importante — é indispensável para evitar o colapso que a ciência já antevê.
Petro não oferece pontes. Oferece um diagnóstico duro, que exige enfrentamento, não acomodação.
Dois caminhos, a mesma encruzilhada
A divergência entre Petro e Corrêa do Lago não é apenas de estilo. Ela expõe a própria fratura da governança climática global.
- Petro fala para o colapso — e exige ação imediata, mesmo que dolorosa.
• Corrêa do Lago fala sobre transição — e busca equilibrar economia, diplomacia e ciência.
Quando um diz que a cobiça está vencendo a vida, o outro prefere lembrar que o Brasil pode “liderar” o debate justamente por estar inserido nesse sistema de produção. É o contraste entre o que deve ruir e o que ainda precisa funcionar enquanto se constrói algo novo.
Essa dualidade está no coração da COP30. E não por acaso as ruas começam a reagir ao que chamam de “acomodação” das negociações, denunciando que o gradualismo já não acompanha a velocidade da crise.
Se Petro diz que chegamos ao fracasso, Corrêa do Lago tenta evitar que a conferência herde essa mesma marca. Mas o fato é que, entre o grito e a ponte, entre o abismo e o gradualismo, está o mundo real — que não espera discursos nem resoluções finais.
A COP30, talvez mais do que qualquer outra, terá de decidir se segue construindo pontes ou se finalmente enfrenta o precipício.
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Esta reportagem foi produzido por Envolverde, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em:















