Modelos climáticos e experiências de campo evidenciam caminhos para reduzir perdas ambientais e econômicas na Amazônia.
Texto de Anderson Araújo. Revisão Carla Fischer.
A pesquisadora da Universidade de Oxford, Aline Soterroni, usa modelos matemáticos para prever cenários sobre a Amazônia e alerta que, se nada for feito, o Brasil pode perder mais de 60 milhões de hectares de desmatamento nas próximas décadas. O dado faz parte de estudos de modelagem de cenários ambientais apresentados por ela durante o painel “Como conciliar Agricultura, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos”, na Agri Zone da COP 30, nesta quinta-feira (20/11).
Soterroni explicou que os chamados cenários de linha de base, que simulam o futuro mantendo a lógica atual de produção, apontam o risco de continuidade do desmatamento. Além da perda de espécies e de equilíbrio climático, esse processo também amplia as emissões de gases de efeito estufa, tornando o desmatamento uma das principais fontes de emissões do país.
O segundo nível de risco apresentado nos modelos mostrados por Aline diz respeito aos impactos combinados entre desmatamento e mudanças climáticas. De acordo com a pesquisadora, cenários climáticos indicam que regiões atualmente vistas como promissoras para a expansão agrícola podem se tornar menos produtivas.
Apesar do alerta, a cientista destacou que os cenários também apontam alternativas mais otimistas, caso políticas públicas eficazes sejam implementadas. Nos chamados cenários de governança forte, que incluem controle do desmatamento e gestão territorial, os ganhos podem ser expressivos.
Um dos estudos citados por Soterroni mostra que, na região de transição entre Amazônia e Cerrado, a proteção do território poderia evitar perdas de até 1 bilhão de dólares por ano em prejuízos agrícolas. “Quando se controla o desmatamento e se protege a floresta, os modelos mostram que é possível evitar grandes perdas econômicas e produtivas”, afirmou.
A pesquisadora explicou que a modelagem de cenários utiliza sistemas matemáticos capazes de simular a interação entre uso da terra, clima, espécies e dinâmica econômica. A ideia é transformar dados ambientais em projeções capazes de orientar governos e tomadores de decisão.
Ao final da apresentação, a pesquisadora recorreu a uma reflexão inspirada nos povos originários. Citando o xamã Davi Kopenawa e o líder indígena Ailton Krenak, Soterroni afirmou que a ciência pode ser uma ponte entre dois mundos.
“Os povos da floresta já sabem que sem floresta não há água, não há comida, não há vida. Mas, para falar com o ‘povo da mercadoria’, precisamos de modelos e cenários. Eu gosto de dizer que uso a matemática como aliada da floresta para mostrar o valor da floresta em pé”, concluiu.
Conservação e agricultura familiar
O painel também trouxe a experiência coordenada pela pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, que apresentou projetos de conservação ambiental e agricultura familiar na Amazônia, com foco na valorização dos povos tradicionais e da sociobiodiversidade. Um dos destaques foi o RefloraMais, iniciativa criada em 2017 a partir de cooperação entre Brasil e França. A iniciativa se consolidou como um grupo de pesquisa-ação e inspirou a criação do Centro Capoeira, voltado à restauração socioambiental da floresta.
Segundo a pesquisadora, o princípio do projeto é o de uma restauração ambiental socialmente justa, incorporando o conhecimento dos agricultores familiares, comunidades indígenas e quilombolas. Ela alertou que cerca de 90% do uso da terra na Amazônia já é ocupado por pastagens, o que pressiona a agrobiodiversidade e desestrutura os modos de vida tradicionais. A proposta, segundo ela, é fortalecer a agricultura familiar tradicional como pilar de conservação e como base do chamado “bem viver”.
Joice Ferreira também apresentou a estrutura do Centro Capoeira, que reúne mais de 100 pesquisadores de mais de 30 instituições e opera por meio de laboratórios vivos em regiões estratégicas como Santarém, nordeste do Pará e região do Gurupi. Esses espaços funcionam como ambientes de co-construção de conhecimento, onde pesquisa científica e saberes tradicionais se encontram.
Cerrado
A pesquisadora Fabiana Aquino, da Embrapa Cerrados, trouxe ao painel experiências realizadas no Cerrado brasileiro para conciliar produção agrícola e conservação ambiental, defendendo o conceito de compensação por serviços ambientais, como conservação do solo, aumento da infiltração de água, sequestro de carbono e manutenção da biodiversidade.
Esses serviços vêm sendo reconhecidos por meio de programas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), como o desenvolvido na bacia hidrográfica do Distrito Federal, com cerca de 1.500 hectares. Na região, produtores rurais recebem incentivos econômicos ao adotar boas práticas que incluem a conservação ambiental. Os resultados levam a maior retenção de água no solo, redução da erosão e fortalecimento da atividade hidrológica da bacia.
Entre 2013 e 2022, o programa firmou 210 contratos, envolvendo cerca de um terço dos produtores da área, com investimentos superiores a R$ 3 milhões. O pagamento médio gira em torno de 60 dólares por hectare ao ano, valor considerado baixo pelos participantes, que, mesmo assim, destacam que o principal incentivo é a contribuição para a conservação da água e do solo, essenciais para a própria sustentabilidade da produção agrícola.
A experiência no Cerrado, segundo a pesquisadora, mostra que é possível transformar a conservação em uma oportunidade econômica concreta para os agricultores, aliando produtividade, resiliência ambiental e geração de renda no campo.
Papel estratégico do INPA
O diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Henrique dos Santos Pereira, apresentou projetos voltados à recuperação de áreas degradadas por meio de sistemas florestais e agroflorestais. São estudos que combinam nanotecnologia, biotecnologia e melhoramento genético, tendo a castanha-do-brasil como iniciativa inicial. A iniciativa envolve redes de cooperação em todos os estados da Amazônia, monitoramento por satélite e internet das coisas, além de testes para inserção desses sistemas em futuros mercados de crédito de carbono.
Na avaliação do diretor, a importância do INPA para a pesquisa em serviços ecossistêmicos está justamente na sua capacidade de integrar ciência de ponta, formação de pesquisadores e aplicação prática do conhecimento. Com 3,2 mil mestres e doutores formados, o instituto se consolida como uma peça-chave para transformar a conservação da floresta em oportunidades reais de desenvolvimento sustentável para a região.
Com sede em Manaus e atuação em toda a região amazônica, o INPA é hoje uma das principais referências científicas em biologia tropical, ecologia e estudos dos ecossistemas, além de ter papel decisivo na formação de pesquisadores e na consolidação de políticas públicas voltadas à sustentabilidade.
O painel foi mediado por Raquel Prado, pesquisadora da Embrapa, que apresentou a base do relatório temático “Agricultura, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos”, elaborado no âmbito da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. O documento é resultado de mais de três anos de trabalho e da colaboração de cerca de cem pesquisadores de diferentes biomas do país. O relatório não consiste em uma pesquisa inédita, mas em uma ampla síntese do conhecimento científico, reunindo dados e experiências bem-sucedidas sobre como conciliar produção agrícola, conservação da biodiversidade e manutenção dos serviços ecossistêmicos.
Esta reportagem foi produzida por Amazônia Vox, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em https://www.amazoniavox.com/noticias/view/550/pesquisadoras_alertam_sobre_acoes_urgentes_para_frear_desmatamento_e_reforco_da_restauracao_na_amazonia















