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Na primeira semana da COP30, as negociações avançaram impulsionadas pela pressão por mais recursos e por uma postura mais ativa da Presidência brasileira. As divergências seguem em torno da adoção de indicadores para a implementação das ações. 

Meghie Rodrigues

Antes tratada como um apêndice da agenda de mitigação, a discussão sobre adaptação ganhou corpo e velocidade na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), principalmente a partir desta quinta-feira (13). 

O corpo ficou por conta de uma manifestação realizada na manhã desta quinta na entrada da Blue Zone. Os participantes defenderam uma distribuição igualitária de recursos para populações vulneráveis e reforçaram o manifesto da força-tarefa “Adaptação como Prioridade” e da Construção Coletiva de Indicadores de Adaptação (Co-CoA) — que reúne organizações da América Latina e do Caribe — entregue a negociadores na noite de quarta-feira (12).

Entre os pedidos do documento estão a liberação de ao menos US$ 120 bilhões anuais para adaptação e a garantia de que os indicadores de implementação estejam alinhados ao Acordo de Paris, considerando as obrigações dos países desenvolvidos.

Já a velocidade ficou por conta das negociações dos Planos Nacionais de Adaptação, que surpreendeu até mesmo observadores veteranos: “as negociações avançaram bem hoje. Faz tempo que não se vê tanta disposição em negociar esse tema”, conta Daniel Porcel, especialista em mobilização e diálogo do Instituto Talanoa. 

Esse otimismo tem relação direta com a postura da Presidência brasileira, que vê a entrega de um pacote robusto de adaptação como uma das principais metas da Conferência. “A Presidência está trabalhando para que tenha um resultado final”, observa Flávia Martinelli, especialista em mudanças climáticas do WWF-Brasil. Há a negociação de um documento único que servirá de base para que os países elaborem seus próprios planos. Diferentemente do que ocorreu em outros momentos, as delegações não ignoraram a versão inicial do texto — estão sugerindo emendas, testando formulações e deixando claro que querem negociar. 

Já a discussão sobre o Objetivo Global de Adaptação contou com o apoio de praticamente todo o G77 — coalizão de países em desenvolvimento que hoje reúne 134 membros — para a construção de uma nova meta de financiamento, que prevê triplicar os recursos destinados à adaptação até 2030. Ainda não há uma quantia definida para o que significaria “triplicar” esses repasses, já que os países desenvolvidos resistem em especificar valores. O mais provável é que a parcela dedicada ao tema esteja dentro da meta de US$ 300 bilhões anuais para países em desenvolvimento até 2035, aprovada no ano passado durante a COP29, em Baku, no Azerbaijão.

“Até há pouco tempo, isso era visto como algo muito difícil, mas agora temos uma correlação de forças diferente, com vários países apoiando a proposta e outros atores também, como o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)”, conta Porcel.

Mas o bode ainda está na sala 

Ainda há divergências em torno do ponto que tem se mostrado o mais sensível: a adoção de indicadores para a implementação de ações de adaptação. Países africanos e outras nações em desenvolvimento não querem deixar brechas que permitam que o cumprimento desses parâmetros seja usado, por exemplo, como condição para o recebimento de recursos.

Isso poderia criar um efeito cascata justamente para os países que mais precisam de apoio financeiro para colocar ações de adaptação de pé, analisa Ana Terra Amorim-Maia, pesquisadora de governança e adaptação climática no Centro Basco para Mudança Climática em Barcelona, na Espanha. 

A adoção dos indicadores é fundamental para o sucesso da COP30, mas eles ainda precisam ser refinados — e o caminho para isso pode ser incluído no texto final sem prejuízo para o resultado, analisa Porcel. “A adaptação não pode esperar. Dez anos depois do Acordo de Paris precisamos dar essa resposta urgente ao mundo. Falhar nisso seria um fracasso coletivo, não apenas para a presidência brasileira da COP30”, ressalta.

Uma das grandes questões, avalia Amorim-Maia, é que “sucesso” em ações de adaptação pode significar coisas diferentes para cada país e medir isso pode ser um desafio. “Para uns significa ter nova infraestrutura, enquanto para outros significa reduzir vulnerabilidade social e desigualdades”, explica. 

Em meio a tantos impasses, no meio desta semana os facilitadores das negociações do Objetivo Global lançaram uma nota informal para nivelar o terreno. Um dos pontos deixava claro que a adoção de indicadores de adaptação não deve ser usada como condição para os países receberem financiamento — e, além disso, precisa ser voluntária. 

“O documento elenca cinco caminhos possíveis que essa negociação pode tomar. Vai desde a adoção de uma lista de indicadores à adoção de lista nenhuma, passando por uma adoção parcial ou ir refinando essa lista nos próximos anos. Isso mostra o tamanho do impasse que ainda existe sobre isso”, observa Amorim-Maia.

A outra questão é que a responsabilidade dos países desenvolvidos quase não está em debate. O foco da discussão está voltado sobretudo para como as nações irão implementar e avaliar ações de adaptação, mas pouco se fala sobre como medir o cumprimento do papel dos países ricos em abrir a carteira para viabilizar essas ações no Sul Global, afirma Amorim-Maia.

“A inclusão de gastos domésticos como um indicador de sucesso coloca o peso nos ombros dos países mais pobres, e isso é um dos temas de grande impasse”, avalia.

A expectativa é que pelo menos algumas dessas barreiras sejam retiradas do caminho até o fim de semana. Flávia Martinelli, especialista em mudanças climáticas do WWF-Brasil, está otimista porque o debate acalorado mostra que países estão engajados em construir um texto final. 

“A gente fica mais pessimista quando os países não querem olhar para o texto. Isso bloqueia as negociações logo de cara — e o que vemos aqui é os países colocando suas condições e construindo junto. Mas vamos sentir melhor a temperatura nos próximos dias de negociação”, avalia. 

Esta reportagem foi produzida pela InfoAmazônia, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em https://infoamazonia.org/2025/11/14/paises-africanos-pedem-que-indicadores-de-adaptacao-nao-sejam-condicao-para-financiamento/

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