Marcha Mundial pelo Clima ocorre em Belém com defesa de ação climática. O ‘Nexo’ conversou sobre o tema com ativistas e integrantes de movimentos sociais que estão na capital paraense
Autora: Mariana Vick
A Marcha Mundial pelo Clima, protesto tradicional em época de COPs, ocorreu neste sábado (15) em Belém. O encontro reúne organizações da sociedade civil, representantes dos setores público e privado e lideranças indígenas, amazônicas e comunitárias em defesa de ações de combate à mudança climática.
O protesto é um dos pontos altos da participação da sociedade civil na COP30, que tem se manifestado nos pavilhões oficiais da conferência e em eventos paralelos na capital paraense. Essa mobilização ocorre anos depois de restrições nas COPs anteriores. Sharm-El-Sheik, Dubai e Baku limitaram a participação nas cúpulas de 2022 a 2024.
Neste texto, o Nexo explica onde a sociedade civil aparece na COP30, qual a importância de sua participação nesse tipo de evento e o que há de diferente em Belém. Mostra também quais são os desafios nesse contexto, marcado por uma episódio que causou desconforto entre a organização da conferência e a ONU.
Onde a sociedade civil aparece na COP30
A COP30 conta com a participação da sociedade civil de várias formas. A primeira é nos espaços oficiais do evento, que ocorre no Parque da Cidade, em Belém. Parte dos representantes da sociedade civil acompanham as negociações de perto, como observadores, e outros realizam eventos e outras ações nas três principais áreas da COP:
- zona azul: área oficial da ONU, onde ocorrem as negociações entre os países (mas também inclui pavilhões da sociedade)
- zona verde: espaço aberto ao público, com eventos, exposições e debates promovidos por ONGs, empresas e acadêmicos
- eventos paralelos: fóruns, encontros técnicos e painéis promovidos por diversas instituições e grupos de interesse
A presidência da COP30 tem dado destaque a um instrumento chamado Agenda de Ação. Essa agenda, adotada nas conferências do clima desde 2021, busca mobilizar não só governos, mas empresas, cidades e organizações da sociedade civil para implementar soluções de enfrentamento à mudança do clima. São compromissos voluntários que complementam os acordos formais das COPs, podendo incluir:
- medidas de descarbonização da economia
- investimentos em energias renováveis
- ações de adaptação climática
Além das atividades no Parque da Cidade, há ações da sociedade civil em outras partes do território de Belém. A Cúpula dos Povos, por exemplo, começou na quarta-feira (12) com atividades concentradas na UFPA (Universidade Federal do Pará). O encontro dura até este domingo (16) com debates sobre mudança climática paralelos à COP30.
1.300 movimentos sociais, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, trabalhadores, coletivos e organizações de diversos países estão representados na Cúpula dos Povos, segundo a organização
Há ainda outras ações. O Museu Paraense Emílio Goeldi, uma das instituições científicas mais antigas do Brasil, recebe uma extensa programação cultural durante a COP30. O Teatro Waldemar Henrique recebe a programação da rede Observatório do Clima. Também há eventos na Casa de Jornalismo Socioambiental, iniciativa da qual o Nexo faz parte.
Qual a importância da participação
A participação social é um dos pilares da política ambiental, e na COP isso não poderia ser diferente. As conferências do clima da ONU são tradicionalmente marcadas pela presença da sociedade civil — seja na forma de eventos e painéis, seja na forma de protestos, seja na forma de suporte técnico e incidência política nas negociações.
Um dos objetivos da participação é pressionar os países pela adoção de decisões que interessam à sociedade. Os corredores da zona azul na COP30, por exemplo, têm registrado desde segunda-feira (10) protestos de ativistas que fazem reivindicações como o financiamento para adaptação climática, um dos temas centrais das negociações de agora.
A participação também tem o papel de chamar a atenção para demandas que não necessariamente estão na agenda oficial da conferência. A Cúpula dos Povos, por exemplo, tem bandeiras como o combate ao racismo ambiental, a priorização das periferias urbanas e o reconhecimento de territórios indígenas e de comunidades tradicionais — que têm pouco espaço na COP30.
O Nexo foi à Cúpula dos Povos e visitou pavilhões da sociedade civil na COP30 para falar sobre o tema. Elder Vieira da Silva, presidente da Associação da Casa Familiar Rural de Placas (PA), disse querer influenciar as decisões da COP ao participar da cúpula. “A maioria das decisões vêm das organizações sociais para cima”, afirmou.
Franco Bautista Olcese, argentino de 18 anos que participa do pavilhão Children and Youth COP30, na zona azul, disse que busca representar quem está fora das delegações oficiais. “A maioria dos que estão nas COPs não são as vítimas, não são os que sofrem, não são os que vivenciam os efeitos e impactos da mudança climática”, disse.
“É importante participarmos desses eventos, pois somos testemunhas dos efeitos da mudança climática. E é nossa responsabilidade. [Falar da mudança climática] é uma responsabilidade de todos, de toda a humanidade, não apenas de líderes globais que têm seus próprios interesses, ou interesses de seus países”, Franco Bautista Olcese, ativista argentino de 18 anos que participa do pavilhão Children and Youth COP30, na zona azul
Paola Gabriel Perez Puma, indígena de 19 anos do povo Quéchua, no Peru, que faz parte do mesmo pavilhão de jovens, disse que também há uma questão interseccional e intergeracional. “A maioria das pessoas que participam das negociações são adultos. Crianças e grupos minoritários não estão presentes”, disse.
Para Cleudiana Silvino Santos, assentada do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que está na Cúpula dos Povos, outra vantagem da participação é unir-se a outros grupos. “Identifico os problemas da minha realidade ao ver as outras, e, assim, podemos unir forças para cobrar quem danifica o meio ambiente.”
O que há de diferente na COP30
A COP30 tem sido marcada pelo retorno da participação na conferência do clima depois de várias edições com restrições. O ano de 2020 — que não teve o evento — e o de 2021, por exemplo, tiveram ações limitadas por conta da covid-19. Já as COPs de 2022, 2023 e 2024 registraram pouca participação porque ocorreram em países não democráticos:
- COP26, 2020: foi adiada por conta da pandemia de covid-19
- COP26, em 2021: ocorreu em Glasgow, na Escócia, ainda na sombra da covid-19
- COP27, em 2022: ocorreu em Sharm El-Sheikh, no Egito
- COP28, em 2023: ocorreu em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos
- COP29, em 2024: ocorreu em Baku, no Azerbaijão
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, afirma que faz parte da tradição do Brasil promover ampla participação nesse tipo de evento. “Se a participação social não for forte, os países não se mexem, e a gente tem que fazer os países se mexerem”, disse em reunião com fóruns de participação em outubro.
Quais são os desafios da participação
Apesar da importância da participação, quem está presente na COP30 relata desafios para estar no evento. O argentino Olcese afirmou que muitas vezes é difícil ser ouvido. “As pessoas em geral, e as do poder econômico em particular, estão sempre ocupadas e pensando em preservar seus interesses. Quando se veem forçadas a abandoná-los, não querem ouvir.”
A peruana Puma também disse que há desafios práticos, como o idioma das negociações — o inglês —, que não é falado por muitas pessoas que fazem parte de minorias. “Além disso, nos principais grupos de discussão, os líderes usam termos técnicos que nem todos conseguem entender. Isso gera uma grande desigualdade”, afirmou.
Outro ponto importante é o tempo, segundo ela. Antes da COP30, a Convenção do Clima realizou outros eventos que prepararam as negociações — mas muitas pessoas da sociedade civil, como crianças e povos indígenas, não tiveram acesso a essas discussões. “Há uma construção durante o ano todo, não apenas nestas duas semanas.”
As manifestações em Belém
Um protesto na terça-feira (11), segundo dia de COP30, chamou a atenção para as manifestações da sociedade civil durante a conferência. Depois de uma marcha sobre saúde e clima ter percorrido as ruas de Belém à noite, um grupo de manifestantes invadiu a zona azul, que é restrita, e entrou em confronto com seguranças.
As imagens do tumulto no espaço oficial da ONU repercutiram na imprensa nacional e internacional. A Marcha Global Saúde e Clima publicou na terça (11) uma nota dizendo que as pessoas que se dirigiram à zona azul não faziam parte da organização ou da articulação oficial do ato, que foi pacífico e informado previamente às autoridades.
O grupo que entrou na área oficial da ONU incluía indígenas do baixo Tapajós, no Pará, e jovens do coletivo Juntos, ligado ao PSOL. A participação indígena levou a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) a se manifestar sobre o tema. A entidade disse que não coordenou a entidade e respeita a autonomia dos povos indígenas.
“Esta edição da COP ocorre em um país democrático, onde o direito à manifestação é garantido e respeitado. A Apib reafirma que o movimento indígena é amplo e diverso e que esta entidade não coordenou as atividades da referida manifestação. Ao mesmo tempo, reitera o respeito ao direito de manifestação e à autonomia de cada povo em suas formas próprias de organização e expressão política”, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, em nota sobre o ato que entrou na zona azul
Indígenas do baixo Tapajós disseram em entrevista a jornalistas na quarta-feira (12) que a manifestação do dia anterior saiu de controle, mas foi um “recado de resistência”. Eles afirmaram que têm reivindicações para fazer na COP30, mas elas não têm ganhado espaço nas negociações oficiais, e listaram insatisfações com:
- a lentidão na demarcação de terras indígenas no atual governo
- a concessão do rio Tapajós
- a falta de espaço para indígenas na zona azul
- a falta de diálogo com o presidente Lula
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representante do baixo Tapajós — região onde há 14 povos indígenas — conseguiu credenciamento para a zona azul, segundo o grupo
A Convenção do Clima, braço da ONU que organiza as COPs, criticou a organização da conferência no Brasil e exigiu melhorias de segurança em carta enviada ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, e ao presidente da COP30, André Corrêa do Lago. Em entrevista a jornalistas na quinta-feira (13), o embaixador disse que todos os problemas apontados foram resolvidos.
Para as pessoas ouvidas pelo Nexo, ações como a de terça (11) podem prejudicar o diálogo com as autoridades durante a COP30, mas, ao mesmo tempo, elas podem ser a única ação possível quando outras estratégias não funcionam. “Pelo que pareceu, [o protesto] foi uma provocação, para eles sentirem que a gente quer ser ouvido”, disse Santos, do MST.
“Para chegar aos tomadores de decisão, principalmente nesses espaços [como a COP30], é preciso diplomacia, e, sendo disruptivo, não se chega a lugar nenhum”, afirmou Olcese. “Mas é difícil falar sem entender o contexto. Não podemos ter paz se nem todos são incluídos nas conversas principais e nos espaços de tomada de decisão.”
Três dias depois da manifestação, indígenas Munduruku fizeram um novo ato no Parque da Cidade na sexta-feira (14), bloqueando o acesso principal à blue zone. O protesto foi pacífico, mas a segurança no local foi reforçada, principalmente pelas Forças Armadas. O grupo reivindicou:
- a revogação do decreto nº 12.600/2025, que trata na concessão do rio Madeira
- o cancelamento da ferrovia Ferrogrão, que escoa a produção de grãos do Centro-Oeste para portos do Norte
- a proteção contra grandes empreendimentos dentro do território
- uma reunião com Lula para tratar dessas demandas
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, foi à manifestação e saiu de lá de mãos dadas com os indígenas. Eles entraram na Vila COP — complexo em Belém onde autoridades estão hospedadas — e foram para uma reunião interna com as ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.
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Esta reportagem foi produzida por Nexo, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2025/11/14/manifestacao-cop30-participacao-sociedade-civil-cupula-dos-povos















