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Ana Cláudia Leocádio, da CENARIUM

BELÉM (PA) – O primeiro vice-presidente da Coletividade Territorial da Guiana (CTG) — governo local do território —, Jean-Paul Ferreira, ao comemorar o início de uma nova cooperação entre territórios amazônicos, criticou o fato de a França ainda não reconhecer os povos indígenas em sua Constituição, o que os deixa à margem das políticas públicas nacionais. O dirigente também criticou o presidente Emmanuel Macron, que tem se posicionado internacionalmente em defesa dos povos indígenas, mas cuja postura, segundo ele, não se reflete no tratamento dado a essas comunidades dentro do próprio território francês.

A declaração ocorreu durante um encontro com o governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), nos corredores da Zona Azul da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, na tarde desta segunda-feira, 10, antes da abertura do Hub Amazônia, no pavilhão do Consórcio dos Governadores da Amazônia Legal.

A Guiana Francesa é um território ultramarino da França, que faz fronteira com o Brasil ao Sul e a Leste, e com o Suriname a Oeste, tendo Caiena como capital. Cerca de 95% de sua área total é coberta pela floresta amazônica, e sua população combina elementos culturais europeus com influências afro-caribenhas e indígenas. Desde abril de 2015, a Guiana Francesa deixou de ser um departamento ultramarino francês para se transformar na Coletividade Territorial da Guiana (CTG). Embora continue sendo território francês, passou a ter maior autonomia administrativa.

Além de discutir a importância da cooperação regional, Ferreira relatou as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas na Guiana Francesa e, por esse motivo, tem buscado firmar novos acordos de parceria com o Estado do Amapá, voltados à bioeconomia e ao desenvolvimento logístico.

“É muito complicado na Guiana porque o Estado francês não reconhece as populações indígenas em sua Constituição. Então, há um povo na França que é muito, muito diferente do Brasil e que não é suficientemente levado em conta nas diferentes políticas públicas na Guiana e na França”, criticou o dirigente.

Em março de 2024, Macron visitou Belém, onde se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o cacique Raoni, em evento relacionado à COP30. Na ocasião, o francês assinou com Lula o acordo “Apelo de Belém” (Brazil–France Call for Climate Ambition from Paris to Belém and Beyond), que tinha como objetivo apoiar a agenda climática, a preservação da Amazônia e a valorização dos povos indígenas. Macron reconheceu a importância da Amazônia e prometeu apoio e investimentos na bioeconomia da região.

Na opinião de Ferreira, o presidente francês mantém um discurso internacional de defesa dos povos indígenas, mas essa postura não se concretiza dentro do território francês — uma contradição que, segundo ele, tem levado historicamente os guianenses a cobrar do Estado francês o reconhecimento constitucional dos povos originários. Além das comunidades indígenas da Guiana, outro território ultramarino francês é a Nova Caledônia, na Oceania, onde vivem os Kanaks. A França, contudo, adota um modelo de Estado-nação unitário, que historicamente evita o reconhecimento de comunidades étnicas ou minorias específicas, priorizando a igualdade formal de todos os cidadãos perante a lei.

“O Governo Macron, o presidente Macron, efetivamente fez uma declaração internacional sobre as populações indígenas, seja na Amazônia, seja em outros territórios, mas não faz o mesmo discurso em seu próprio território francês. Esse é o problema para as populações originárias. Uma contradição total entre o que mostra internacionalmente e o que faz em nível nacional”, afirmou Ferreira, que também é indígena e preside o Parque Natural Regional da Guiana.

Ao se encontrar com o governador Clécio Luís na COP30, o dirigente territorial da Guiana, que ocupa um cargo análogo ao de vice-governador, destacou a importância do evento realizado em Belém. “O que nós temos que lembrar especialmente é que a COP30, que acontece hoje em Belém, não é um fim em si mesmo, mas o começo de alguma coisa: o fortalecimento do relacionamento entre os diferentes territórios”, ressaltou.

Cooperação com o Amapá

O governador Clécio Luís destacou que Amapá, Amazonas, Pará e Guiana Francesa compartilham a mesma Amazônia, com suas riquezas e desafios. Por isso, o termo de cooperação com a CTG é uma ferramenta essencial para enfrentá-los conjuntamente. A delegação da Guiana na COP30 conta com mais de 100 pessoas na capital paraense.

“Essa COP tem uma diferença: está sendo discutida e debatida pelos amazônidas, o que faz toda a diferença para a própria Amazônia, para quem mora nela e também para o mundo. Até agora, em 29 COPs, todo mundo falava da Amazônia sem conhecer a Amazônia brasileira, a da Guiana Francesa, a surinamesa, enfim. Pela primeira vez estamos discutindo, com autoridades globais e chefes de Estado, com a participação expressiva de amazônidas de diversas nacionalidades, e isso vai fazer toda a diferença”, afirmou Clécio, elogiando o tamanho da delegação guianense.

Para Ferreira, as relações entre a Guiana e o Amapá são históricas e devem ser fortalecidas ao longo do tempo, especialmente diante da perspectiva de exploração de petróleo na Margem Equatorial. O acordo de cooperação envolve diversas áreas.

“É a questão da bioeconomia, da logística, porque Macapá terá um ‘boom’ econômico extraordinário com a exploração do petróleo. Isso deverá beneficiar, evidentemente, o Estado do Amapá, mas também o vizinho que somos, na Guiana”, completou o dirigente.

Esta reportagem foi produzida pela Revista Cenarium, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original aqui.

 

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