Ato reuniu representantes de diferentes movimentos sociais, ativistas ambientais, comunidades indígenas, tradicionais e periféricas. Além das pautas globais, assuntos nacionais como Ferrogrão, BR-319 e desmatamento foram lembrados.
Fábio Bispo
Longe do ar-condicionado que climatiza as salas de negociação da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, milhares de pessoas ocuparam as ruas da capital paraense neste sábado (15), em um dos maiores atos já realizados durante uma conferência do clima da ONU. A Marcha Global pelo Clima foi organizada pela Cúpula dos Povos, construída coletivamente por movimentos sociais, organizações comunitárias, entidades territoriais e redes internacionais de defesa dos direitos humanos e da justiça climática, de 62 países.
O protesto reuniu ambientalistas, indígenas, quilombolas, agricultores familiares e ativistas internacionais, em uma manifestação que pediu o fim dos combustíveis fósseis e denunciou projetos que agridem o meio ambiente e ampliam as emissões de gases do efeito estufa (GEE) no Brasil.
A passeata saiu do Mercado de São Brás rumo à Aldeia Cabana, em Belém. Dividida em três grandes blocos — Terras e Territórios, Solidariedade Internacionalista e Transição Justa e Cidades —, a manifestação foi conduzida por representantes de 20 organizações sociais que integram a Cúpula dos Povos.
Ponto alto da marcha, o funeral simbólico dos combustíveis fósseis, com caixões para o petróleo, gás e carvão carregados por ativistas, deu o tom da principal cobrança da sociedade civil para a negociação climática que ocorre em Belém. “Estamos aqui pedindo o fim dos combustíveis fósseis porque não aguentamos mais os efeitos das mudanças climáticas. Na minha cidade, em Benjamin Constant, passamos a viver com secas severas do rio nos últimos anos. Eles [os negociadores] precisam saber disso”, declarou Gleissimar Castelo Branco, indígena da etnia Kokama.
A encenação artística contou com a participação da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (UFPA), liderada pela professora Inês Antônia Santos Ribeiro.
A organização ambientalista Greenpeace levou um banner gigantesco com a mensagem “Respeitem a Amazônia” e carregou uma conta quilométrica contabilizando perdas e danos climáticos causados pelos grandes poluidores climáticos, como as empresas de petróleo e gás.
“A Marcha pelo Clima representa a força da participação social que dá vida à COP30. Ela também envia um recado claro aos negociadores da Conferência, de que não há transição justa sem considerar os povos e territórios, que já vivem diariamente os efeitos da emergência climática. As mesas de negociações precisam considerar as vozes historicamente silenciadas se quisermos garantir justiça climática para todos”, afirma a coordenadora de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, Leilane Reis.
A pauta pelo fim dos combustíveis fósseis também uniu povos de diferentes nações da Pan-Amazônica, como Equador, Colômbia, Peru e Bolívia. Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, lembrou que a marcha foi a maior, na história das COPs, em concentração indígena.
“Foi enorme, foi linda. Foi uma demonstração grande de força da sociedade civil, e de vigor. Mostrou que a gente não está derrotado ainda. Com certeza foi, na história das conferências do clima, o protesto com maior presença indígena. Isso só poderia acontecer na Amazônia mesmo. A turma enfrentou o calorão de Belém para ir para a rua mostrar o que importa, que elas importam e que isso que está acontecendo com o clima não é normal e não pode continuar.”
As ministras do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, subiram no carro principal da marcha para manifestar apoio ao ato pelo clima. Marina destacou o caráter mais popular da COP que é realizada no Brasil.
“Depois de outras COPs, em que as manifestações sociais ocorriam apenas dentro de espaços oficiais da ONU, no Brasil, no Sul Global, em uma democracia consolidada, podemos ocupar as ruas. A COP30 permite o encontro das periferias, das águas, das cidades, dos campos, das florestas. Lugares que enfrentam as mudanças do clima. Em que pesem nossos desafios e contradições, temos que fazer um mapa do caminho para uma transição justa e encerrar a dependência dos combustíveis fósseis”, disse Marina.
Territórios na linha de frente
Em meio às reivindicações globais, o ato também teve forte representatividade das demandas locais: houve protestos contra a exploração de petróleo na Margem Equatorial, o projeto da ferrovia Ferrogrão e o decreto que reabre caminho para hidrelétricas nos rios Tapajós, Madeira e Tocantins.
Representantes da Frente de Luta por Terra e Territórios criticaram ainda a expansão da mineração e os impactos de grandes obras, como a pavimentação da BR-319. Os movimentos também protestaram contra o agronegócio e pediram o fim do desmatamento das florestas.
Indígenas, quilombolas e agricultores familiares, que estavam em grande número no ato, pediram demarcação de terras, reforma agrária, crédito para produção sustentável e proteção florestal.
Com 30 anos de movimento pela agricultura familiar, Raimundo Rodrigues Xavier, 64, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Medicilândia, no Pará, defendeu que comida de verdade precisa de floresta em pé: “Nós fazemos parte da agricultura familiar e queremos também investimento para que os nossos agricultores possam preservar a floresta e viver, viver na floresta que é importante para o mundo inteiro”, afirma.
Catorze povos do Baixo Tapajós cobraram a demarcação de seus territórios e a revogação do Decreto nº 12.600/2025, que eles chamam de “decreto da morte”, porque autoriza uma hidrovia no rio Tapajós.
Voos internacionais da marcha
O bloco internacional da marcha também ecoou a política global. Manifestantes exibiram faixas pedindo o fim do genocídio em Gaza e defendendo a libertação da Palestina. Para eles, a crise climática não pode ser dissociada de conflitos geopolíticos e violações de direitos humanos. O grupo Fridays For Future, fundado pela ativista Greta Thunberg, também participou. A ativista, no entanto, não compareceu ao ato em Belém.
“Queremos expressar todas as demandas que têm surgido durante a Cúpula dos Povos. Queremos denunciar as falsas soluções para as mudanças climáticas, como fundos de financiamento para florestas. Pedimos para não explorarem petróleo na Amazônia e para não proliferar os combustíveis fósseis em todo o mundo”, disse Eduardo Giesen, coordenador na América Latina da Global Campaign to Demand Climate Justice.
* Colaborou, Steffanie Schmidt, O Varadouro.
Esta reportagem foi produzida por InfoAmazonia, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original aqui.














