Lobistas fósseis tomam conta da COP30 — e escancaram o abismo entre discurso e realidade
Autor: Por Reinaldo Canto
A cada COP parece que o mundo dá um passo à frente no discurso — e dois para trás no corredor dos bastidores. Em Belém, na COP30, essa contradição atingiu seu ápice num número que deveria constranger qualquer governo que fale em “liderança climática”: mais de 1,6 mil lobistas da indústria de combustíveis fósseis foram credenciados para a conferência. Sim, você leu certo. Um exército maior que o de quase todos os países participantes, perdendo apenas para o do próprio anfitrião, o Brasil. O número, compilado pela coalizão internacional Kick Big Polluters Out, dispara outro alerta vermelho: é o maior registro de lobistas fósseis da história das COPs.
Durante as negociações em Belém, 11 representantes da Petrobras circulavam como “convidados do país anfitrião”, mais outros cinco com o prestigiado crachá de party overflow, que dá acesso aos bastidores diplomáticos. Não é pouca coisa. São espaços onde cada palavra vale milhões — e cada silêncio vale ainda mais.
Nem só de Petrobras é feita a festa. Equinor, CNPC, Chevron, ExxonMobil… todas com seus representantes bem posicionados, discretos, credenciados, prontos.
A COP da Verdade (ou da transparência seletiva?)
Lula batizou a COP30 de “COP da verdade”. Mas a verdade — essa figura difícil — não combina com crachás ocultos. Segundo a Transparência Internacional, 54% dos representantes da indústria fóssil que entraram nas delegações nacionais esconderam quem os financiou. Um dado que fala mais alto que muitos discursos bem redigidos.
Não só o Brasil abriu as portas. Japão, França e outros países também incluíram lobistas fósseis dentro de suas delegações oficiais. A pergunta que resta é a mesma de sempre: como esperar decisões ousadas sobre o fim dos combustíveis fósseis quando seus maiores beneficiários estão sentados à mesa — e muitas vezes, cochichando ao ouvido de quem decide?
É a velha história: a conferência que deveria decidir como abandonar o petróleo está cercada de quem vende petróleo, distribui petróleo e vive do petróleo.
A urgência sequestrada
Há algo profundamente simbólico — e profundamente preocupante — em ver povos indígenas protestando no meio da zona azul enquanto centenas de lobistas fósseis circulam livremente com seus crachás premium. É a síntese perfeita do que trava a transição climática global:
Quem sofre os impactos não tem poder.
Quem causa os impactos tem acesso.
Se a COP30 quer de fato ser a “COP da verdade”, como pede Lula, talvez a primeira verdade a ser encarada seja esta: não há integridade possível quando interesses fósseis moldam o desenho das negociações que decidirão o futuro do planeta.
Enquanto isso, os corredores seguem cheios de crachás, as salas seguem cheias de discursos, e a Amazônia segue cheia de riscos.
E quem paga a conta — como sempre — são aqueles que nunca foram convidados para a festa, mas estão cansados de limpar os destroços do que sobram dela.
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Esta reportagem foi produzida pela Envolverde, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em:















