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Não adaptado ao fogo, ecossistema tem registrado mortandade de até 100% das árvores. Trabalho, ainda não publicado, indica influência das mudanças climáticas

Autora: Cristiane Prizibisczki 

As florestas alagadas da Amazônia não são ecossistemas adaptados ao fogo. No entanto, elas estão queimando em níveis nunca antes observados, mostram os resultados prévios de um estudo que vem sendo conduzido por pesquisadores brasileiros e do Reino Unido. O sinal de alerta foi aceso, dizem, e a culpa é das mudanças climáticas.

Realizado por pesquisadores das universidades britânicas de Oxford e Lancaster, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e Embrapa Amazônia Oriental, o estudo mostra que, entre 2023 e 2024, a área total queimada nas florestas alagadas da Amazônia atingiu níveis recordes, liberando grandes quantidades de CO2.

Foram 1,4 milhão de hectares queimados no período analisado, superando a soma da área total queimada nesses ecossistemas nos quatro anos anteriores: entre 2019 e 2022, o fogo nunca havia atingido mais de 165 mil hectares por ano nas florestas de várzea e igapós. 

Os dados preliminares, aos quais ((o))eco teve acesso, também mostram que os incêndios nessas áreas têm aumentado de tamanho. Somente em 2024, a área total queimada em florestas alagadas – 887 mil hectares – foi maior do que toda área desmatada na Amazônia brasileira no mesmo ano – 608 mil hectares.

“A gente teve incêndios individuais que passaram de 10 mil hectares, foi uma coisa que até então não se tinha registro. E quando se passa de 10 mil hectares, ou 10 mil campos de futebol, é o que a gente chama de um mega incêndio”, explicou a ((o))eco Erika Berenguer, pesquisadora Sênior Associada no Laboratório de Ecossistemas da Universidade de Oxford e uma das autoras do estudo em construção.

A culpa é das mudanças climáticas

O estudo mostrou que a maior parte dos incêndios em florestas alagadas está ocorrendo em regiões da Amazônia onde os extremos climáticos estão aumentando mais rapidamente: porções de floresta ainda preservadas no norte do bioma.

 Em 2023 e 2024, mais de meio milhão de hectares dessas florestas queimaram em áreas onde as temperaturas máximas extremas na estação seca subiram mais de 3ºC desde 1981. 

“Essas áreas ficam no norte da Bacia Amazônica, ou seja, no norte do estado do Amazonas e no sul de Roraima, que são áreas que não têm um histórico muito grande de desmatamento, mas é onde essa temperatura máxima está aumentando mais rápido”, explica Berenguer.

O aumento das temperaturas contribui para o ressecamento da vegetação e da serrapilheira, tornando esses ecossistemas mais inflamáveis e fontes de emissões de gases de efeito estufa.

As emissões de CO2 das florestas alagadas da Amazônia brasileira em 2024 foram mais de cinco vezes maiores que as emissões de combustíveis fósseis do Quênia no mesmo ano, um país com cerca de 56 milhões de habitantes. 

“Como essas florestas não se recuperam após o fogo, elas acabam se tornando uma fonte líquida de CO para a atmosfera”, diz o policy briefing com os dados preliminares do trabalho.

Mortalidade de 100%

A Amazônia brasileira possui cerca de 38 milhões de hectares de florestas que ficam parcialmente submersas em algum período do ano. Para se sustentarem em terrenos instáveis, com água ou muita lama, as árvores das florestas de várzea e igapós possuem muitas raízes.

É através justamente das raízes que o fogo nas florestas alagadas tem se propagado. E por ser um fogo subterrâneo, o combate fica ainda mais difícil. 

Segundo Erika Berenguer, pesquisadores ainda buscam entender o que é preciso fazer para endereçar esse problema, já que o próprio combate do fogo na Amazônia – em áreas de terra firme – é, por si só, desafiador.

Além da questão logística, ela lembra que os primeiros incêndios florestais que se têm notícias na Amazônia são da década de 1980 e que, é só a partir deste momento, que a dinâmica do fogo em áreas de florestas úmidas começou a ser estudada.

“Existem algumas técnicas de combate para fogo subterrâneo, mas é um desafio. Primeiro porque o próprio combate do fogo na Amazônia já é um desafio. As técnicas de combate em áreas de florestas densas são completamente diferentes daquelas do Cerrado e agora em áreas alagadas. Então esse é um novo problema. É como se a gente estivesse sempre correndo para solucionar uma coisa que está surgindo”, desabafa. 

A consequência de todos esses fatores tem levado a altos níveis de mortalidade das árvores. Em florestas de terra firme, a mortalidade média de árvores que têm mais de 30 centímetros de diâmetro é de 50%. Em áreas alagadas, a mortalidade de árvores de mesmo tamanho está entre 75% e 100%.

“É um estrago. A gente está perdendo tudo o que está ali e perdendo, principalmente, a estrutura daquele ecossistema que antigamente era dominado por árvores e passa a ser dominado por gramíneas”, diz Erika Berenguer.

O trabalho dos pesquisadores da Universidade de Oxford, Universidade de Lancaster, IPAM e Embrapa Amazônia Oriental ainda não tem data para ser publicado.

Esta reportagem foi produzida por ((o))eco, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em: https://oeco.org.br/reportagens/florestas-alagadas-da-amazonia-comecam-a-sofrer-com-grandes-incendios-mostra-estudo/ 

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