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Em Belém, audiências populares julgaram simbolicamente 21 casos de violações socioambientais. Especialistas alertam: greenwashing se sofisticou e virou estratégia de desinformação.

Autora: Gabi Coelho 

Na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, governos defendem metas climáticas e empresas promovem planos de neutralidade. Enquanto isso, cresce a pressão de movimentos sociais, pesquisadores e comunicadores para expor um fenômeno que define a política ambiental da década: o avanço das falsas soluções climáticas.

O termo descreve iniciativas apresentadas como sustentáveis — hidrovias, megaprojetos de energia, mercados de carbono — que, na prática, ampliam a fronteira de exploração e deixam um rastro de violações socioambientais.

Para especialistas ouvidos pela InfoAmazonia, o greenwashing – estratégia de marketing enganosa em que empresas promovem uma imagem ambientalmente responsável—, que antes se limitava ao ambiente corporativo, tornou-se uma engrenagem de desinformação utilizada para influenciar decisões políticas, deslegitimar comunidades impactadas e neutralizar críticas a empreendimentos predatórios.

Tribunal contra o ecogenocídio

Uma arena foi montada para expor o que ficou de fora das negociações oficiais: nos últimos dias 13 e 14, o Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio realizou audiências públicas para julgar simbolicamente 21 casos de violações socioambientais na Amazônia e em outros territórios. 

 

Segundo o documento de apresentação do tribunal, produzido pelo Movimento Organizações de Base pelo Clima (também conhecido como COP do Povo), tratava-se de “criar um espaço alternativo de Justiça perante a crise de legalidade que sistemas de justiça e governos promovem ao protegerem e legitimarem práticas e grupos que destroem ecossistemas, modos de vida e espiritualidades”.

 

No banco dos réus simbólico, estavam projetos e empresas apresentados como sustentáveis que, na prática, expulsam comunidades, destroem territórios e perpetuam modelos predatórios. São as chamadas “falsas soluções climáticas” — iniciativas vendidas como respostas à emergência ambiental que, segundo especialistas, funcionam como cortina de fumaça para a manutenção da extração dos recursos naturais e destruição da floresta.

 

Entre os casos julgados está a comercialização de créditos de carbono em Portel, no arquipélago do Marajó. No território, conforme relata o dossiê, “representantes de empresas de carbono usaram de má-fé e coação para assegurar contratos abusivos”, enquanto “a venda de créditos de carbono pelas empresas movimentou milhões de dólares sem conhecimento das pessoas locais”.

 

A Usina Hidrelétrica de Belo Monte foi outro caso enquadrado como uma falsa solução climática. O documento descreve que “a Norte Energia, responsável pela UHE Belo Monte, falhou em atender a demandas legais e acordos, mesmo com o compromisso de fazê-lo em seu Plano Básico Ambiental”. 

 

O caso envolve 40 mil pessoas deslocadas forçosamente no Médio Rio Xingu, em Altamira (PA). Segundo o dossiê, “quem foi realocado em novos bairros sofreu uma nova forma de segregação, com a perda do modo de vida pela desarticulação de redes de parentesco e vizinhança e pela perda das atividades econômicas tradicionais”.

 

Para Thaís Brianezi, professora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e integrante do Projeto Educom&Clima, durante a COP30 “o Brasil se apresenta como um país com a sua geração de energia muito bem, porque cerca de 70% são renováveis”. No entanto, quando se olha para Belo Monte, “muitas vezes não entra no cálculo a geração de gases de efeito estufa a partir do alagamento, ou seja, da área alagada, e da decomposição do material orgânico”. Isso sem contar o aspecto social, ressalta. 

 

Infraestrutura verde para commodities

O Tribunal também julgou casos de hidrovias apresentadas como necessárias diante de emergências climáticas, mas que servem principalmente ao escoamento de commodities. Sobre a dragagem do rio Tapajós, o documento aponta que “diante das secas extremas de 2023 e 2024, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) determinou a dragagem do rio Tapajós em ‘pontos críticos’, justificando a obra em nome da ‘segurança da navegação’ e do ‘estado de emergência'”. Segundo o dossiê, “em dez dias úteis, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS/PA) autorizou a obra sem Estudo de Impacto Ambiental, sem estudos dos componentes indígena e quilombola e sem consulta prévia, livre e informada”.

 

O sistema financeiro brasileiro também foi responsabilizado. Conforme o documento, “Banco do Brasil, Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia concederam crédito rural para fazendas embargadas por desmatamento ilegal, o que contraria a legislação ambiental e as normas do Conselho Monetário Nacional”. O Ibama aplicou multas, mas não houve reparação dos impactos a comunidades nos biomas Amazônia e Cerrado.

Falsas soluções em debate

Também durante a conferência, foi lançado o dossiê “Integridade da Informação Climática”, elaborado pela iniciativa Mentira Tem Preço e parceiros, como parte de um programa global dedicado a investigar e enfrentar a desinformação ambiental. “Mentira é negócio. E negócio gera lucro. A desinformação não é acidente; é modelo de negócio”, afirma Thais Lazzeri, fundadora e diretora da FALA,  um estúdio de impacto brasileiro que promove mudanças sociais por meio da comunicação, do storytelling e da estratégia.

A cartilha reúne evidências sobre manipulação informacional, estratégias de greenwashing e recomendações para governos, jornalistas e sociedade civil. Lazzeri reforça que a defesa da integridade informacional depende do fortalecimento do jornalismo local: “comunicadores comunitários são a primeira linha de defesa. Eles têm legitimidade que nenhuma campanha nacional tem. São eles que mantêm a pauta viva quando os holofotes apagam”.

Essa contradição entre o discurso de sustentabilidade e a realidade vivida nos territórios foi o fio condutor de um dos principais eixos de debate da Cúpula dos Povos — evento paralelo que reuniu movimentos sociais, organizações da sociedade civil e comunidades tradicionais durante a COP30. O eixo “Combate ao racismo ambiental e às falsas soluções” estruturou discussões que culminaram na Carta dos Povos, documento entregue ao embaixador da COP no domingo final do evento.

As mesas trataram de defesa dos territórios contra o racismo fundiário, direito à consulta prévia frente ao mercado climático, mercados de carbono como falsa solução, produção agroecológica como alternativa e os riscos de repetir erros do passado na chamada transição energética.

Eventos paralelos à programação oficial também abordaram o tema. O Instituto de Defesa e Cidadania (Idec) promoveu a oficina “É mentira verde! Como identificar e denunciar o greenwashing” e o pré-lançamento do observatório “De Olho no Greenwashing” na Casa das ONGs. No Teatro Waldemar Henrique, houve diálogo sobre desinformação climática e como reconhecer e combater falsas narrativas no contexto de eleições e políticas públicas.

A organização Justicia Climática Comunicaciones promoveu na COP do Povo o encontro “Enfrentando las Falsas Soluciones frente al Cambio Climático desde Latinoamérica y el Caribe“, dialogando sobre estratégias de justiça climática na América Latina e Caribe para visibilizar, analisar e denunciar falsas soluções, além de apresentar um mapa da falsas soluções climáticas e iniciativas de educação e comunicação popular.

A sofisticação do greenwashing

O que os eventos mostraram é que a apropriação corporativa do discurso da sustentabilidade tem se tornado cada vez mais sofisticada. Segundo Débora Salles, coordenadora geral do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais  da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NetLab UFRJ), 

No estudo Greenwashing na Transição Energética: Como anúncios no LinkedIn distorcem o debate climático e legitimam práticas insustentáveis”, o NetLab identificou indícios de greenwashing em mais da metade dos anúncios analisados — 52,7% de 2.800 publicidades veiculadas por 917 empresas. Segundo Salles, os anúncios usavam “termos vagos, como ‘transição energética’ e ‘carbono neutro’, sem oferecer evidências concretas e esvaziando o significado de sustentabilidade”.

 

Para Salles, a prática “manipula a percepção pública por meio da divulgação de informações incompletas e distorcidas sobre práticas socioambientais”. Segundo ela, essa prática leva consumidores, investidores e formuladores de políticas a acreditarem que determinadas empresas estão comprometidas com a transição sustentável, “quando, na prática, continuam reproduzindo modelos de alto impacto ambiental”.

 

Brianezi complementa que “a desinformação tem se sofisticado, ela não está mais necessariamente negando que existe emergência climática”. A estratégia agora, segundo a pesquisadora, é mais sutil — como no caso das empresas de combustíveis fósseis que afirmam precisar “continuar explorando o petróleo, achar novas jazidas, explorar, para ter recursos para fazer a transição energética”.

Recentemente, a InfoAmazonia revelou que, desde março de 2023, deputados e senadores da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável divulgam campanhas sobre mineração com uso da verba dos seus gabinetes, além de omitir aos usuários das plataformas quais são os impactos ambientais.

 

Desertos de notícia

A precariedade da cobertura jornalística agrava o problema. Segundo Salles, o estudo “A Cobertura da Mídia Local Sobre Grandes Projetos na Amazônia” constatou que “a imprensa local da Amazônia Legal carece de uma cobertura especializada e aprofundada”. Os veículos locais “reproduzem notícias de agências governamentais e fontes oficiais de forma massiva. Isso privilegia visões hegemônicas à medida que silencia vozes já historicamente marginalizadas”.

 

Para Brianezi, a comunicação local e de base comunitária é fundamental porque “a gente precisa não só realizar a checagem de dados, mas também desconstrução de narrativas e reconstrução de outras possibilidades de economia”. Segundo ela, essas múltiplas visões vêm “a partir das periferias, das periferias urbanas, das periferias da floresta, do campo, das vozes que foram silenciadas historicamente”.

 

A pesquisadora da USP aponta que os desertos de notícia “não são só geográficos, eles são temáticos”. Ela questiona: “por que quando há um evento climático extremo que afeta as regiões de maior renda, ocupam os jornais com muito mais força do que quando afeta as periferias? Porque a gente naturaliza a desigualdade”. Essa é, segundo Brianezi, “uma questão fundamental para combater a emergência climática a partir da luz da justiça climática”.

 

Brianezi defende que o combate aos discursos falsos precisa trabalhar “em duas chaves, na denúncia e no anúncio”. A denúncia envolve “desconstrução, checagem de dados, questionamento de narrativas”. Mas apenas denunciar não basta. “A gente tem que fazer um anúncio mostrando outras formas de economia, de produção que estão aí, em que a economia é um meio e o bem maior é a vida, o coletivo”, argumenta, citando economia circular, economia do cuidado e o conceito do bem-viver. Segundo ela, trabalhar só na denúncia não mobiliza: “a gente precisa trabalhar mostrando também que outros mundos são possíveis, para que a gente não acredite que é mais fácil o fim do mundo do que o fim do capitalismo”.

 

Esta reportagem foi produzida por InfoAmazonia, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em: https://infoamazonia.org/2025/11/21/falsas-solucoes-climaticas-avancam-na-amazonia-enquanto-cop30-discute-futuro-do-planeta/ 

 

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