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Dez municípios vulneráveis da Região Norte entram na linha de frente da adaptação do governo federal

Com quase 3 milhões de moradores expostos a enchentes, secas, calor extremo e pressão ambiental, cidades da Amazônia passam a receber planos de adaptação que cruzam infraestrutura, biodiversidade, desenvolvimento urbano e justiça climática — em meio ao maior desafio da COP30: garantir financiamento real e permanente para transformar planos em obras e proteção efetiva.

Steffanie Schmidt

dos Varadouros de Belém (PA)

De maioria parda e indígena, quase três milhões de moradores da Região Norte que vivem em municípios considerados de alta vulnerabilidade climática serão os primeiros a receber planos orientados para adaptação à emergência climática. São cidades expostas a enchentes, deslizamentos, ondas de calor, estiagens severas e extremos que se multiplicam a cada ano. O perfil desses territórios revela um mosaico complexo de desigualdades: tanto o avanço da mineração, quanto a expansão urbana desordenada, quanto as economias tradicionais ribeirinhas estão hoje sob o mesmo guarda-chuva de risco.

Dados do IBGE mostram que a disparidade econômica não oferece proteção. Municípios com os menores indicadores socioeconômicos estão concentrados na mesma fronteira de pressão ambiental: Augusto Corrêa R$ 7.750,19), no Pará; São Gabriel da Cachoeira (R$ 8.995,21) e Benjamin Constant (R$ 8.664,03), no Amazonas, apresentam os menores PIBs per capita da lista e economias baseadas na pesca, agricultura familiar e extrativismo. No extremo oposto estão cidades como Marabá (R$ 71.473,92) e Barcarena (R$ 47.010,21), no Pará, com PIBs impulsionados pela mineração, metalurgia e logística portuária — atividades que, ao mesmo tempo que geram arrecadação, carregam histórico de passivos ambientais, desmatamento e contaminação de rios.

Já Belém (R$ 22.216,33), Ananindeua (R$ 16.542,68) e Palmas (R$ 32.977,35), enfrentam outra dimensão da crise: urbanização acelerada sobre manguezais, várzeas, remanescentes florestais e áreas frágeis. A falta de infraestrutura e drenagem urbana transforma tempestades intensas em enchentes cada vez mais frequentes, ampliando riscos à saúde pública e aos serviços essenciais. No meio dessa diversidade de realidades, é a vulnerabilidade — e não o tamanho da economia — que se torna o ponto comum.

Tabela municípios dados PIB percapta: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1ywFLY5lxw45VOIcMSbNc7e-laeElzC-g76RDe6wL_Oc/edit?usp=sharing 

Esse é o pano de fundo que orienta a política de adaptação que começa a ser implementada pelo Governo Federal. Para a diretora de Adaptação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Inamara Melo, a adaptação não pode mais ser tratada como um assunto restrito a obras de drenagem urbana. “Nós estamos falando de uma política que não diz respeito apenas às cidades. Não se trata somente de moradia ou saneamento básico. A gente fala de turismo, patrimônio cultural, agricultura, segurança alimentar, saúde. Os nove objetivos nacionais perpassam um conjunto extenso de políticas públicas”, afirmou durante apresentação do programa Adapta Cidades a jornalistas na COP30, em Belém (PA).

O governo quer aplicar essa “lente da adaptação” sobre 100% da carteira federal de investimentos — o que inclui programas como Minha Casa, Minha Vida e PAC. Na prática, obras e projetos só deverão avançar se levarem em conta riscos climáticos futuros. “Antes de construir uma ponte, será preciso saber se o rio deve subir; antes de aprovar um conjunto habitacional, será necessário saber se o bairro deve inundar ou colapsar nos próximos anos”, explica. A intenção é simples: garantir que o dinheiro público investido hoje não vire desastre amanhã.

Para isso, será necessário planejamento qualificado. Segundo Melo, o principal gargalo não é apenas a falta de financiamento, mas a falta de projetos que atendam aos requisitos técnicos de bancos e fundos climáticos. Hoje, os mesmos municípios costumam ser os únicos capazes de acessar recursos internacionais ou federais porque já possuem equipes e projetos estruturados, segundo aponta a diretoa. A estratégia federal passa por criar uma “fábrica de projetos” que ajude municípios vulneráveis a elaborarem bons planos, propostas e diagnósticos — condição necessária para chegar ao financiamento.

De acordo com o Governo Federal, o AdaptaCidades — coordenado pelo MMA dentro do Programa Cidades Verdes Resilientes — pretende chegar a dois mil municípios até 2035, fortalecendo técnicos municipais, padronizando metodologias e permitindo que diferentes cidades construam planos de adaptação sob o mesmo arcabouço, respeitando as particularidades locais — sejam elas rurais, ribeirinhas, urbanas, agrícolas ou industriais.

A lista de municípios já selecionados reflete essa diversidade. O Pará lidera em número e também na sobreposição de riscos: Belém, Marabá, Ananindeua, Barcarena, Abaetetuba e Augusto Corrêa vivem entre corredores de mineração, hidrovias, avanço agropecuário e expansão urbana. Em Marabá, uma das regiões de mineração mais antigas do país, reservas extrativistas, florestas nacionais e terras indígenas convivem com queimadas, abertura de pastagens e barragens de rejeitos. Em Barcarena, vazamentos e contaminações recorrentes atingem comunidades ribeirinhas e ilhas preservadas. Belém e Ananindeua crescem sobre ecossistemas frágeis — mangues, várzeas e fragmentos florestais que antes funcionavam como amortecedores naturais contra enchentes e calor.

No extremo oposto, São Gabriel da Cachoeira e Benjamin Constant mostram como mesmo florestas em pé estão expostas ao colapso climático. Terras indígenas contínuas e preservadas — como Alto Rio Negro e Vale do Javari — mantêm floresta primária em escala maciça. Mas secas cada vez mais severas, queimadas históricas e pressão de pesca e garimpo ilegais demonstram um cenário já visível na Amazônia: mesmo quem preservou a floresta hoje sofre os efeitos de mudanças que não gerou.  

Rondônia também aparece como alerta. Pimenta Bueno integra uma das fronteiras de desmatamento mais ativas do Brasil: áreas privadas derrubadas e queimadas geram incêndios que avançam sobre fragmentos protegidos. Mesmo quem conserva acaba pagando pelos vizinhos destrutivos. Já Palmas, no Tocantins, vive a encruzilhada entre Cerrado e Amazônia, biomas que registram recordes de fogo, pastagem em expansão e estiagens longas e quentes.

A aposta federal é que essa agenda deixe de ser pontual, eleitoral e fragmentada, e se torne política permanente de desenvolvimento. 

O recurso para o programa AdaptaCidades provém de fontes do Governo Federal e de parcerias internacionais, com destaque para o Fundo Clima. O fundo, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), disponibiliza recursos nas modalidades reembolsável (administrados pelo BNDES) e não-reembolsável (operados pelo MMA). O programa prevê um reforço no Fundo Clima em até R$ 20 bilhões para 2025.

Soluções

Segundo Philip Yang, enviado Especial do governo federal para soluções urbanas, a maior parte das obras de adaptação à mudança do clima não gera receitas. Dessa forma, o custo de execução recai sobre os governos que enfrentam um cenário macroeconômico de restrição fiscal(https://cop30.br/pt-br/noticias-da-cop30/gargalo-tecnico-e-financeiro-e-o-maior-desafio-para-enfrentamento-a-mudanca-do-clima-nas-cidades-diz-enviado-especial) . Este seria um dos principais gargalos. Ele propõe três caminhos como solução: a criação de um arranjo formal entre a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat); o estabelecimento de uma janela de financiamento subnacional apoiada por um fundo catalítico de preparação de projetos; e a inclusão mais profunda da agenda urbana nas decisões políticas da COP. 

Esta reportagem foi produzida por O Varadouro, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em https://ovaradouro.com.br/adaptacao-climatica/

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