Scroll Top

Enquanto países da América Latina, África, Ásia e Oceania concentram a maioria dos assassinatos e ameaças a quem defende o meio ambiente, doadores ainda titubeiam em financiar redes de proteção integral.

Por Gabi Coelho 

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) é a terceira COP que a ativista ambiental Precious Kalombwana, de 33 anos, está presente. Enquanto caminha pelos corredores quentes da Zona Verde em Belém, alertas meteorológicos notificam seu celular: chuvas fortes contínuas com previsões de tempestades na área de Mumbwa, cidade no distrito central da Zâmbia, na África Central, onde mora.

Precious conhece a força das tempestades: “quando criança, eu não entendia completamente o que significava o desmatamento, mas sentia a mudança. As chuvas ficaram imprevisíveis, os riachos secaram e, um ano, as enchentes levaram nossa casa”, conta. “Ainda me lembro do rosto do meu pai quando perdemos tudo”.

Hoje, à frente da Citizens Network for Community Development Zambia, — organização não governamental focada na promoção da participação juvenil e comunitária no desenvolvimento do país –, Kalombwana é uma das vozes mais ativas por justiça climática e cancelamento de dívidas externas em sua região. Dívidas essas que, segundo ela, asfixiam seu país e impedem investimentos básicos em saúde, educação e adaptação às crises climáticas. “Percebi que mudança climática não é algo distante — é real, pessoal e atinge os mais pobres primeiro.”

O preço da defesa ambiental

Da Amazônia à floresta de Miombo – área preservada que se estende por grande parte do extremo sul do continente africano e a região central –, o padrão se repete: defensoras e defensores ambientais enfrentam perseguições, ameaças e criminalização, enquanto deveriam ser protegidos.

Em abril de 2024, Kalombwana foi presa em Washington D.C., nos Estados Unidos, durante protesto nas reuniões de primavera do Fundo Monetário Internacional. Em agosto, enfrentou um projeto de lei do governo zambiano que buscava limitar a atuação de ONGs — iniciativa barrada após forte mobilização da sociedade civil. Em ambos os episódios, estava sozinha: sem salário, apoio jurídico ou seguro.

Segundo o relatório Global Analysis 2024/25, da Front Line Defenders, 8,5% das violações contra defensoras e defensores de direitos humanos estão relacionadas à pauta ambiental na África. As formas mais comuns são ameaças e assédio (17,1%), ameaças de morte (14,3%), prisões arbitrárias (14%), vigilância (12,1%) e ataques físicos (8,3%).

“Recebi ameaças diretas e fui presa. Mas o silêncio não é uma opção quando seu povo sofre”, diz. Sua organização atua com comunidades rurais onde o impacto climático é mais severo — e onde o financiamento internacional raramente chega. É um CPF enfrentando CNPJs bilionários.

Kalombwana milita por uma nova legislação que obrigue credores privados a perdoar dívidas de países em crise climática. Para ela, justiça climática exige uma equação clara: sem alívio da dívida, não há como financiar adaptação; sem proteção aos ativistas, não há quem pressione por mudanças estruturais; e sem financiamento direto à base, organizações continuam operando à base de “paixão” — palavra que usa sem romantizar.

“Os recursos vão para grandes ONGs nas capitais. Precisamos de apoio que chegue até as aldeias — assistência jurídica, fundos emergenciais, suporte em saúde mental”, defende. 

O advogado ambiental e ativista congolês Oliver Ndoole também atua em seu território em defesa dos direitos ambientais, que entende como sinônimo de direito à vida. “Quando falamos de direitos ambientais estamos falando de direitos humanos, ligados a nossa estabilidade e a toda a nossa economia social”, declara.

Atual secretário executivo do Congolese Alert for the Environment and Human Rights, Ndoole reforça que financiar uma proteção integral para os ativistas deve ser o primeiro passo para a filantropia aliada à luta ambiental. “Quando falta proteção, todo o ecossistema social de nossa comunidade é afetado”, defende o ativista, “Quando fui preso em Uganda por conta do meu trabalho,  toda a minha família foi afetada”.

O cenário do desfinanciamento 

As críticas de Kalombwana e Ndoole ecoam no Brasil, sede da COP30. Para Alexandre Pachêco, advogado, historiador e gestor do programa Defensores do Fundo Brasil, as fundações que tentam apoiar iniciativas nesse campo enfrentam “muita dificuldade de captar recursos para proteção e segurança”. 

A Fundo Brasil é uma das organizações convidadas do painel “Justiça Climática e Defensores: Financiamento para Proteção da Vida e dos Territórios”, que acontece nesta segunda-feira (17), na The Global South House. 

Na avaliação de Pachêco, essa dificuldade é “reflexo de uma compreensão internacional que tem ganhado espaço no campo da filantropia de que após a eleição de 2022, com a derrota de uma candidatura com viés autoritário, haveria um retorno pleno do campo democrático ao Brasil e que isso teria encerrado as situações de emergência”.

Os dados, contudo, mostram outra realidade. O relatório Na Linha de Frente — Violência contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil (2023–2024), produzido pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos, mostra que a cada 36 horas uma pessoa sofre violência por atuar na defesa dos direitos humanos no país — e 80,9% dessas violações atingem quem protege o meio ambiente e os territórios.

O estudo mapeou 318 episódios de violência que resultaram em 486 vítimas, entre pessoas e coletivos. Somente nos dois primeiros anos do atual governo, entre 2023 e 2024, foram identificados 55 assassinatos, 96 atentados à vida, 175 ameaças e 120 episódios de criminalização.

Para Pachêco, “a violência tem voltado numa outra perspectiva, porque até 2022 e 2023 ela tinha um perfil — agora ela tem um perfil muito mais violento”, na tentativa de barrar a mobilização e o avanço “dos movimentos sociais, dos coletivos, das comunidades”.

“Desde 2014, pelo menos, essas forças têm avançado territorialmente”, continua. “As eleições dos últimos anos têm demonstrado um avanço de forças conservadoras. Então, a realidade que a gente tem no território é de um aumento de violência. Mas para o âmbito internacional, há uma leitura de que as violências e as emergências encerraram.”

O território como alma da política 

O descompasso entre a violência real nos territórios e a percepção internacional de que as emergências encerraram tem consequências concretas — e letais. Em Nova Ipixuna, no sudeste do Pará, a impunidade de um crime ambiental de 2011 ilustra como a falta de proteção estrutural para defensores ambientais não é apenas sobre prevenir novas violências, mas também sobre garantir justiça para as que já aconteceram.

Em 24 de maio de 2011, o casal de extrativistas Zé Cláudio Ribeiro da Silva, 52 anos, e Maria do Espírito Santo, 51, foram executados em uma emboscada a tiros de espingarda no Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta Piranheira. Lideranças reconhecidas na defesa da floresta, ambos haviam denunciado publicamente esquemas de grilagem e extração ilegal de madeira na região. 

Quatorze anos depois, o julgamento dos mandantes ainda não aconteceu. Dois executores foram condenados em 2013, mas os responsáveis intelectuais pelo assassinato permanecem impunes enquanto o caso se arrasta na justiça. Familiares e companheiros de luta criaram o Instituto Zé Cláudio e Maria, com foco em proteger defensores e defensores ambientais. 

As ações do instituto acontecem em um cenário preocupante: a América Latina é, há anos, a região mais perigosa do mundo para quem defende florestas, rios, territórios indígenas e o clima. O relatório da Front Line Defenders confirma o padrão: nas Américas, as violações mais reportadas contra defensores são ações legais (32,5%), ameaças e assédio (14,6%), ataques físicos (9,9%) e prisão arbitrária (7,9%). Brasil, Colômbia, Honduras, Equador, México, Guatemala e Peru figuram entre os países mais perigosos para quem atua na defesa de direitos humanos e ambientais.

A Colômbia lidera o ranking global de assassinatos de defensores. Em 2024, foram 157 líderes sociais e defensores de direitos humanos mortos no país, segundo o Programa Somos Defensores — quase metade de todos os assassinatos documentados no mundo naquele ano. O número é mais de dez vezes superior ao do Brasil, que registrou 15 defensores assassinados no mesmo período.

Criador do projeto Life of Pachamama, Juan David Amaya veio da Colômbia para a COP30 e questiona o direcionamento de recursos da filantropia para as causas ambientais. Para ele, o investimento nos jovens na luta por justiça climática deve ser pensado agora e não a longo prazo. “Menos de 1% do financiamento climático global vai para as juventudes”, aponta, “nós somos o futuro e também somos o presente, para promover essa mudança na crise que vivemos atualmente, precisamos de um apoio que permita elevar nossas propostas e iniciativas”

Proteção que sai do papel 

Uma articulação global foi lançada durante a COP30.  A iniciativa LEAD (Lighthouse Environmental Action for Defenders), promovida pela Global Witness, reúne governos, defensores dos direitos humanos ambientais, líderes da sociedade civil, agências e instituições da ONU para pensar três principais frentes: garantir o reconhecimento dos defensores, fortalecer a sua participação significativa em espaços multilaterais de tomada de decisão.

A abertura foi conduzida por Claudelice Santos, à frente do Instituto Zé Maria, que destacou o papel essencial dos defensores ambientais e chamou ao palco Sonia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas; Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial; e Joan Carling, diretora da Indigenous Peoples Rights International (IPRI) e defensora filipina.

Carling afirmou que “a iniciativa não nasceu de uma sala de reuniões, mas sim de territórios e lutas. Pessoas como Claudelice Santos, que perdeu familiares em conflitos ambientais na Amazônia brasileira, ou o jovem líder Juan Amaya, que defende os direitos territoriais indígenas na Colômbia têm histórias de resistência que são a base da LEAD”. 

“Não basta reconhecer os defensores simbolicamente. O que exigimos – e merecemos – são garantias de sua segurança, de sua inclusão nos espaços de tomada de decisão e de uma responsabilização efetiva pelas ameaças e crimes cometidos contra eles. “O lançamento de hoje envia uma mensagem poderosa sobre solidariedade global, mas o que mais importa é o que acontecerá a seguir”, completou Carling. 

Para Pachêco, do Fundo Brasil, essa proteção é condição para qualquer avanço. “A ameaça tem o poder da paralisação da ação política”, afirma. “Existem pautas estruturais que não avançam se a gente não mantiver protegidos os defensores e defensoras de direitos humanos.”

O gestor reforça que as violências não são apenas físicas. “É impossível negar hoje o impacto das ameaças e dos riscos vividos na saúde mental de quem integra as organizações de território”, pontua. “No Fundo Brasil, a gente tem um percentual enorme de casos atendidos no emergencial que pedem ajuda para algum nível de proteção psicossocial — seja medicação, seja atendimento, seja terapia, seja rodas de cuidado. Tem um conjunto de demandas do território que demonstram o quanto isso é necessário.”

Para que essa proteção funcione, é fundamental que o financiamento internacional dialogue com quem está no chão. “A filantropia, principalmente a internacional, precisa criar ferramentas de comunicação mais próximas com a filantropia do território”, defende Pachêco. Só assim será possível estruturar estratégias que sejam realmente eficazes.

“A necessidade é de repensar a proteção, não no sentido de proteção física exclusivamente ou de proteção digital exclusivamente, mas pensar na proteção como a forma de construir uma ação política num ambiente saudável”, conclui Pachêco. “Pensar em proteção integral, em segurança integral é compreender que a vida não se separa em caixas.”

Esta reportagem foi produzida por InfoAmazonia por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em https://infoamazonia.org/2025/11/17/defensores-ambientais-do-sul-global-mostram-por-que-justica-climatica-comeca-com-financiamento/ 

Posts relacionados

Privacy Preferences
When you visit our website, it may store information through your browser from specific services, usually in form of cookies. Here you can change your privacy preferences. Please note that blocking some types of cookies may impact your experience on our website and the services we offer.