COP30 tem número recorde de lobistas do agronegócio
Levantamento de ong britânica mostra que 30% dos lobistas presentes na Cúpula de Belém são do Brasil. Agrizone é palco de greenwashing, diz instituição brasileira
Cristiane Prizibisczki · Elizabeth Oliveira · 19 de novembro de 2025
Belém (PA) – Representantes das grandes empresas do agronegócio mundial atendem em peso a 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), realizada este ano dentro de um dos biomas que mais sofre pressão do setor: a Amazônia. Como era de se esperar, a maior parte dos lobistas é do Brasil, que enviou cerca de 30% dos membros do setor credenciados oficialmente para a Cúpula. Fora dos espaços oficiais, a presença do agro é ainda maior.
O levantamento, realizado pela organização britânica DesMog, contabilizou a presença de 300 lobistas que representam os interesses da pecuária industrial, dos grãos e dos pesticidas. A cifra representa um aumento de 14% em relação à cúpula do ano passado, realizada na cidade de Baku (Azerbaijão).
Se fosse uma “delegação”, os lobistas do agronegócio formariam um grupo maior do que muitas das delegações oficiais dos países, incluindo o Canadá, 10ª maior economia do mundo, que trouxe para Belém 220 delegados.
Segundo o levantamento, um em cada quatro grandes lobistas da agricultura estão participando como membros da delegação oficial do Brasil, tipo de credencial que confere acesso privilegiado às salas de negociação.
As delegações incluem algumas das empresas que mais emitem gases de efeito estufa no mundo. As três maiores empresas de carne do Brasil – JBS, MBRF e Minerva – levaram 13 delegados à COP30, oito dos quais integram a delegação do governo brasileiro.
Uma análise recente da organização Amigos da Terra dos EUA constatou que as emissões dessas três empresas são equivalentes à pegada de carbono da gigante petrolífera britânica BP.
A empresa de pesticidas Bayer levou 19 delegados, o maior número de lobistas de uma única empresa. A empresa de fertilizantes PT Pupuk Indonesia levou 10 delegados, a processadora de carne JBS levou 8 delegados e a gigante alimentícia Nestlé levou 9. A gigante de commodities Cargill levou 5 delegados, enquanto a empresa de alimentos e bebidas PepsiCo e a rede de fast-food McDonald’s levaram 7 e 2, respectivamente.
Bayer e Nestlé são patrocinadoras “diamante” da Agrizone da COP30, um espaço dedicado à agricultura realizado fora da COP oficial, que está sediando uma série de eventos dos maiores emissores do mundo.
Em comunicado enviado à DesMog, a MBRF – formada pela fusão entre Marfrig e BRF – ressaltou que sua presença nas negociações da ONU era “exclusivamente técnica” e “focada em diálogo construtivo”. Acrescentou que a MBRF “não participa das negociações formais da ONU e não se envolve em atividades de lobby”. Em vez disso, busca compartilhar “soluções já implementadas que demonstram a viabilidade da pecuária de baixa emissão, com conversão zero e sem desmatamento”.
A empresa de carne bovina Minerva declarou ao DeSmog em um comunicado: “Nos últimos anos, a empresa tem participado ativamente das COPs, reforçando sua crença de que a produção pecuária pode contribuir para soluções climáticas quando apoiada pela ciência, governança sólida e compromisso de longo prazo. O envolvimento do setor privado é fundamental para o avanço da agenda climática.”
Em comunicado, a JBS afirmou que, como empresa do setor alimentício, está “concentrada em aumentar a produtividade agrícola, aprimorar a eficiência do sistema alimentar e reduzir as perdas e o desperdício de alimentos”, acrescentando que a empresa preside o Grupo de Trabalho de Sistemas Alimentares da COP30 para Negócios Sustentáveis, uma aliança empresarial global endossada pela presidência da COP e alinhada à Parceria de Marrakech para Ação Climática Global da ONU.
O levantamento da organização britânica também revelou que, além de empresas, associações do setor do agronegócio estão presentes nos espaços da COP30. Este é o caso da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), uma das entidades mais influentes do setor agropecuário brasileiro e que tem atuado pelo fim da Moratória da Soja e para atrasar a implementação da rastreabilidade individual do gado brasileiro.
Segundo Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), alguns representantes do setor do agro têm tido uma presença positiva em certos espaços, como é o caso da Marfrig, que demandou o rastreamento obrigatório do gado para conter o desmatamento. O lobby daqueles que impedem que o setor avance na sustentabilidade, no entanto, ainda prevalece, diz.
“Há muita presença descolada do dia a dia. Embora divulguem iniciativas positivas, como agricultura regenerativa, o lobby de quem impede avanços ainda predomina, como o lobby que impede a destinação de florestas públicas para a conservação e o da CNA, que atrasou e desobriga o rastreamento individual do gado”, diz.
“Se o lobby dos grandes e pequenos estivesse realmente alinhado pela mitigação climática, já teríamos eliminado desmatamento e crédito rural seria totalmente direcionado para práticas de baixo carbono”, complementa o pesquisador do Imazon.
CNA rebate críticas dos movimentos sociais ao agronegócio
Ao longo da COP 30, organizações da sociedade civil têm apontado o agronegócio como um dos segmentos econômicos mais impactantes para o ambiente e para os modos de vida de populações indígenas e comunidades locais na Amazônia, assim como em outros biomas brasileiros.
Em entrevista a ((o))eco antes de entrar em uma palestra na Agrizone, nesta terça-feira (18), o vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Gedeão Pereira, rebateu as críticas, enfatizando que as questões ambientais e sociais são parte das preocupações incorporadas às práticas dos agricultores no país. Ele também atua como presidente da Federação de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul.
Mesmo sem esclarecer quantos participantes a CNA mobilizou para vir a Belém e qual o volume de investimentos, ele argumenta que, como a COP30 está sendo sediada no Brasil, o setor precisava estar presente.
“Evidentemente que nós tínhamos que apresentar ao mundo o que é a agricultura brasileira e como nós entendemos as questões ambientais”, opina. Ele também exaltou a experiência pioneira de organização da Agrizone na trajetória das Conferências do Clima da ONU. Da mesma forma, exemplificou que o agronegócio participou das três últimas COPs do Clima (Egito, em 2022; Emirados Árabes Unidos, em 2023; e Azerbaijão, em 2024).
“Esse é o grande investimento da CNA. Nós estamos na Blue Zone (área de diálogos e negociações oficiais da COP 30) com um estande para eventos que acontecem lá e massivamente aqui na Agrizone”, afirma.
Segundo ele, é nesse espaço que são acolhidas pessoas do mundo inteiro que queiram entender melhor o agronegócio brasileiro. “Principalmente porque estamos numa instituição de pesquisa de alcance internacional que é a nossa Embrapa”.
Ao ser indagado sobre conflitos no campo e, sobretudo, em territórios de populações tradicionais, como vem sendo denunciado por organizações da sociedade civil durante a COP30, Pereira minimizou o problema envolvendo o agronegócio.
“O conflito com outros povos é mais narrativa ideológica do que efetivamente está acontecendo”, afirma. “Se alguém está sendo agredido é o agricultor que é o responsável para que as pessoas possam tomar café da manhã, almoçar e jantar todos os dias. Em princípio, nós somos a solução para o mundo”, defende referindo-se à posição do setor brasileiro no contexto global de produção de alimentos.
Reafirmando um posicionamento que tem sido comum às representações do agronegócio, o vice-presidente da CNA enfatizou: “Nós temos no Brasil grandes populações indígenas que têm mais terras do que os próprios agricultores”, opina, ignorando o papel desses povos no equilíbrio climático por resguardarem florestas e outros ecossistemas em seus territórios.
Para ele, comunidades quilombolas e assentamentos rurais apoiados por políticas agrárias e sociais também “não dizem ao país ao que vieram”, o que reflete a mesma limitação. Pereira considera que esses grupos sociais buscam somente “conquistar um espaço no Tesouro Nacional para sobreviver”. Por outro lado, enaltece o agronegócio, reiterando que esse segmento econômico “tem muita responsabilidade econômica, social e ambiental”.
O desmatamento ilegal associado à expansão das fronteiras agrícolas respondeu por 42% das emissões brutas de gases de efeito estufa do país em 2024. A Agropecuária fica em segundo lugar, responsável por 29%.
Palco de Greenwashing
A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) lançou um manifesto de repúdio, antes da abertura oficial da COP30, no qual expressava preocupação sobre o uso da Agrizone, instalada em sede da Embrapa na capital paraense, durante a Conferência do Clima.
Para a organização, esse é um ambiente “de captura corporativa da agenda climática, que ameaça transformar a COP em palco de greenwashing e privatização das políticas ambientais”.
Na sua manifestação pública, a ANA opinou que “o patrocínio do espaço pela CNA (Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária) e empresas como Nestlé e Bayer, multinacionais que produzem alimentos processados e agrotóxicos, respectivamente, revela iminente conflito de interesses”.
As logomarcas dessas grandes empresas são apresentadas junto às de outros apoiadores na entrada da Agrizone.
Como instituição pública estratégica para a soberania alimentar e científica no Brasil, a Embrapa, segundo a ANA, “deveria pautar a sua atuação pelo interesse público e não por alianças com setores responsáveis por crises ambientais e climáticas”.
Ainda segundo o manifesto da ANA, “a participação do setor agropecuário como maior patrocinador e na promoção de debates na agenda climática evidencia uma tentativa enganosa de dissociar o agronegócio de sua responsabilidade como maior emissor de gases de efeito estufa do Brasil”.
Esta reportagem foi produzida por ((oeco)), por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em https://oeco.org.br/reportagens/cop30-tem-numero-recorde-de-lobistas-do-agronegocio/















