Entre as credenciais destinadas aos quilombolas na Zona Azul, quatro eram de party overflow e quatro de imprensa. Apesar da restrição, a participação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) se consolidou para além das zonas oficiais.
Jullie Pereira
As populações quilombolas criaram seus próprios espaços na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), onde discutiram financiamento, titulação e os impactos dos eventos extremos sobre mulheres, jovens e crianças. A Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) recebeu apenas oito credenciais para a Zona Azul, quatro de party overflow e quatro de imprensa. Mesmo com o acesso restrito ao espaço das negociações, o movimento esteve na Zona Verde e ocupou pontos centrais de Belém, como o Museu das Amazônias.
O principal objetivo é conseguir que as titulações dos territórios quilombolas sejam reconhecidas como uma política climática para redução dos gases de efeito estufa no mundo. Dados de cobertura e uso do solo da rede MapBiomas mostram que esses territórios na Amazônia Legal atuam como barreiras eficazes contra a degradação ambiental e o desmatamento – são 3.391.339 hectares de vegetação nativa permanecem protegidos, o equivalente a 92,3% da área total mapeada. As informações fazem parte do estudo “Amazônia Quilombola”, divulgado com exclusividade pela InfoAmazonia.
Para mostrar a eficácia da proteção quilombola, eles apresentaram, pela primeira vez, um documento de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). São 43 propostas. Entre elas: acelerar o ordenamento territorial e fundiário, acelerar o processo de transição energética justa, com investimento em descarbonização da matriz energética e incentivos para o sistema agrícola quilombola, elaborar e revisar planos de adaptação às mudanças climáticas.
Biko Rodrigues é agricultor e analista ambiental, ele nasceu no quilombo de Ivaporunduva, na cidade de Eldorado, São Paulo. Biko é um dos coordenadores nacionais da Conaq e uma das principais vozes na defesa dos interesses da entidade. Na COP30, está cumprindo uma agenda intensa de atividades, sendo um dos oitos credenciados.
“A NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada] brasileira não levava em conta a dimensão dessa diversidade de povos que são responsáveis por manter o equilíbrio climático. O nosso objetivo era dizer para o Estado brasileiro ‘olha, vocês esqueceram de colocar esta parte tão importante da sociedade brasileira nos compromissos’”, diz Biko Rodrigues.
Para levar essa proposta, eles participaram de várias atividades na COP30. Estiveram na mesa “Ação Climática Liderada por Comunidades e Povos Indígenas: Novas Medidas do Sul Global” e no painel “Fundos comunitários e o acesso ao financiamento direto: como contribuem para a implementação dos planos de gestão territorial”, ambos na Zona Azul. Já na Zona Verde, estiveram no debate “Cartas de Direitos Climáticos: Território Tecendo Futuros Possíveis para Crianças e Jovens”.
Para o quilombola Douglas Castro, do Amazonas, a dificuldade em estar nos espaços políticos como estes começa com a falta de reconhecimentos dos próprios quilombolas e de seus territórios. Ele nasceu no quilombo do Andirá, na comunidade Santa Tereza do Matupiri, que fica na região da cidade de Barreirinhas.
“Nós temos um estado muito preconceituoso. É uma questão muito complexa você furar bolhas no Amazonas. Tanto é que nos municípios em que existem quilombos, as prefeituras e estados não reconhecem, não valorizam”, diz Douglas.
Afrodescendentes na COP30
Além da NDC, os quilombolas também estão preocupados com a própria inserção nos textos finais da COP30. Até o momento, os afrodescendentes estão citados em três documentos, o do Mutirão Global, do programa de transição justa e o de adaptação. A Conaq também está cobrando que eles tenham seus direitos garantidos e reconhecidos nas políticas climáticas estabelecidas.
No Brasil 55,5% da população se considera negra e parda, de acordo com os dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísca (IBGE). A população também é a mais afetada por eventos hidrogeológicos na Amazônia, como mostrou reportagem da InfoAmazonia.
“Estamos muito atentos à declaração final sobre os afrodescendentes. Queremos que o Estado brasileiro e a ONU [Organização das Nações Unidas] aceitem essa declaração final, reconhecendo o papel, a importância dos afrodescendentes”, diz Biko Rodrigues.
Como um dos representantes da Conaq, Douglas conta que seu objetivo é ter sua cultura como afrodescendente reconhecida. “Aqui temos um quilombo muito isolado, onde a cultura ferve, com dança, culinária, nossas culturas são bem características negras e fortes. Na COP a gente tá na incidência política, estamos buscando o reconhecimento dos nossos povos quilombolas como afrodescendentes, juntamente com nossos irmãos caribenhos”, conta.
Esta reportagem foi produzida por InfoAmazonia, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original aqui.














