Parcerias entre organizações da filantropia de justiça socioambiental e movimentos de base mostram como o financiamento climático pode chegar a quem está na linha de frente do enfrentamento à crise ambiental
A nova doação de R$ 33 milhões da Suíça ao Fundo Amazônia, anunciada durante as discussões da COP30, reacendeu o debate sobre como fazer com que os recursos internacionais cheguem, de fato, às comunidades e povos que vivem na floresta. Hoje, apenas uma pequena fração do financiamento é destinada a organizações indígenas, segundo dados divulgados pelo InfoAmazonia.
Em meio a esse desafio, arranjos inovadores têm encontrado caminhos concretos para democratizar o acesso aos recursos climáticos. Um exemplo é a parceria entre a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e o próprio Fundo
Amazônia, por meio do projeto Dabucury – Compartilhando Experiências e Fortalecendo a Gestão Etnoambiental das Terras Indígenas da Amazônia Brasileira. A iniciativa destina R$53,8 milhões a projetos de gestão territorial e ambiental conduzidos por povos indígenas, fortalecendo a implementação da Política
Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). “Existe, desde que o Fundo Amazônia foi criado, uma demanda dos movimentos sociais, principalmente do movimento indígena, em fazer chegar esses recursos na ponta, no chão da aldeia. O Fundo Amazônia é gerido pelo BNDES, então toda a tramitação segue as regras dele. Isso impede que muitas organizações consigam ter acesso a recursos, devido às certidões, tanto de regularidade jurídica como fiscal, que são solicitadas. A mais solicitada é a de regularidade fiscal, e algumas organizações possuem pendências anteriores, de convênios passados, junto ao governo, por alguma situação não prestaram contas de projetos. Muda a gestão dessa organização e às vezes essa gestão nova nem sabe que existe essa pendência”, pondera Vinícius Benites Alves, coordenador do projeto Dabucury pela CESE.
Essa situação levou a um diálogo entre CESE e COIAB, que já tinham uma relação de longa data, para fazer uma proposta para facilitar o acesso a recursos, o que levou à criação do projeto Dabucury. “Quando começou a ser pensado o projeto, a ideia do projeto era apoiar as organizações indígenas na implementação da PNGATI, para que elas pudessem elaborar seus instrumentos de gestão, etnomapeamentos, diagnósticos, planos de vigilância territorial, plano de proteção, de manejo, de pesca, e por aí vai.
Instrumentos que fazem com que o povo fortaleça sua organização comunitária e use também esse documento como ferramenta política para proteção e para poder mostrar como vivem e como querem continuar vivendo. O plano de gestão é um documento muito rico. Muitos grupos estão aproveitando essas
oportunidades para elaborar junto com o plano de gestão seus protocolos de consulta, porque ao redor de várias terras indígenas existe uma pressão muito forte do agronegócio e de empreendimentos”, diz Vinicius.
Organizações da filantropia de justiça socioambiental garantem que os recursos cheguem a comunidades para apoiarsoluções para seusterritórios A CESE, com mais de 50 anos de atuação na promoção dos direitos humanos e na defesa da justiça socioambiental, integra a Rede Comuá, que reúne fundos e fundações independentes voltadas ao apoio a comunidades e movimentos da
sociedade civil.
“O Fundo Amazônia dispõe de recursos expressivos, que têm um enorme potencial de impulsionar soluções climáticas locais. No entanto, organizações da sociedade civil ainda enfrentam desafios para acessá-lo. Arranjos institucionais com organizações e fundos independentes de justiça social, a exemplo da CESE, mostram que é possível fazer esse recurso chegar diretamente nas comunidades e territórios, de uma maneira ágil, eficiente e transparente”, analisa Jonathas Azevedo, diretor executivo da Rede Comuá.
De 2023 a 2024, as organizações que compõem a Rede Comuá mobilizaram cerca de R$450 milhões para apoiar iniciativas de povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, mulheres, juventudes e coletivos urbanos em todos os biomas brasileiros, beneficiando quase meio milhão de pessoas. Essas ações estão reunidas na plataforma Comuá pelo Clima, que apresenta histórias e dados sobre soluções locais que enfrentam os impactos da crise climática, como o avanço do desmatamento, das secas e das enchentes.
A premissa de fazer com que mais recursos cheguem aos territórios para apoiar suas soluções orienta também a atuação da Casa Sul Global em sua primeira edição, que acontece de 12 a 20/11 em Belém, durante a COP30. A plataforma conta com a parceira estratégica da Rede de Fundos Comunitários da Amazônia Brasileira e do movimento #ShiftThePower, e dedica sua programação a esse tema, buscando incidir sobre fluxos de financiamento para o Sul Global, demonstrando que já existe uma arquitetura de financiamento que funciona na América Latina, África e Sudeste Asiáticos, com fundos e organizações que
mobilizam recursos para apoiar as soluções dos territórios. E convida outras organizações e mecanismos convencionais de financiamento de clima e natureza se juntem a essa arquitetura fazendo com que mais recursos cheguem para o Sul
Global
Enquanto o mundo discute metas e compromissos para conter o aquecimento global, iniciativas como essas revelam que o caminho passa por fortalecer quem já atua nos territórios — povos, comunidades e organizações locais que há décadas cuidam da floresta e propõem soluções reais para o futuro do planeta.
Sobre Rede Comuá:
A Rede Comuá reúne organizações doadoras independentes que atuam nas áreas de justiça socioambiental, direitos humanos e desenvolvimento comunitário, que mobilizam recursos para apoiar grupos de base, movimentos e organizações da sociedade civil na defesa de direitos.Acesse: redecomua.org.br
Sobre A Casa Sul Global
A Casa Sul Global é uma iniciativa da Rede Comuá e da Alianza Socioambiental Fondos del Sur, em parceria com a Rede de Fundos Comunitários da Amazônia e o movimento #ShiftThePower. É uma plataforma de articulação política, mobilização, produção de conhecimento e colaboração entre atores da filantropia do Sul Global, cujo propósito é influenciar os fluxos de recursos e as dinâmicas de poder em prol da justiça socioambiental, garantindo que as soluções locais estejam no centro das conversas globais sobre o financiamento para clima, natureza e pessoas. Sua primeira edição acontecerá durante a COP30, em Belém, entre os dias 12 e 20/11, com uma programação focada na promoção do diálogo e da construção coletiva com atores chave dos campos da filantropia, do clima e do financiamento para a natureza, sempre
com foco em soluções locais a partir de uma perspectiva do Sul Global.
Sobre a CESE
A Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) é uma organização ecumênica fundada em 1973, com sede em Salvador (BA), que atua na promoção e defesa dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Formada por igrejas cristãs e com mais de cinco décadas de história, a CESE apoia iniciativas de organizações populares, movimentos sociais e comunidades de base em todo o país, fortalecendo lutas por justiça social, igualdade racial, equidade de gênero, liberdade religiosa e sustentabilidade ambiental. Por meio de parcerias nacionais e internacionais, a CESE busca ampliar a incidência política e a mobilização social em torno da defesa dos direitos, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e plural.





