Texto de Samantha Mendes. Edição de Carla Fischer. Fotos de Samantha Mendes.
Elas chegaram à COP30 trazendo mais do que discursos, apresentaram experiências concretas sobre como a crise climática já afeta o cotidiano de crianças e mães em diferentes regiões do Brasil. Na mesa organizada pelo Instituto Alana, em parceria com a rede global Our Kids Climate, participantes de distintas origens, da Amazônia ao Sul do país, pautaram o papel da infância e da juventude nas respostas à emergência climática. O debate, centrado na proteção de direitos, evidenciou que as novas gerações não querem apenas ser lembradas nas promessas de futuro, elas já estão no centro das consequências e das ações do presente.
A sessão começou com a fala de Maya Mailer, co-fundadora e co-diretora do movimento Mothers Rise Up e integrante da Our Kids Climate. “Vivemos em um mundo polarizado, às vezes assustador, mas trazemos um superpoder para esta COP, o poder do amor e do cuidado que temos por nossos filhos e por todas as crianças”, afirmou.
Entre os depoimentos apresentados, o de Mariana Menezes, mãe e empresária do movimento Famílias pelo Clima, destacou-se pelo relato sobre as enchentes no Rio Grande do Sul. “Quando fui resgatada de helicóptero do telhado onde eu e minha família estávamos presos, senti raiva. Raiva de perceber o quanto estamos despreparados para enfrentar a crise climática”, contou.
Moradora de Eldorado do Sul, uma das cidades mais atingidas, Mariana relatou os prejuízos humanos e materiais causados pela tragédia e criticou a lentidão das respostas públicas. “Pagamos o preço da crise com o sofrimento das nossas famílias e também com o que temos de mais precioso: nossa esperança. Continuo com raiva porque as mudanças não acontecem na velocidade que a realidade exige”, afirmou.
Também participante do painel, a jovem indígena Taissa Kambeba, de 15 anos, do Mato Grosso, apresentou uma perspectiva vinda dos territórios tradicionais. Participando de sua terceira conferência do clima, ela contou que cresceu acompanhando o ativismo dos pais e hoje atua em defesa da demarcação de seu território.
“Desde pequena aprendi a lutar. Enfrento o racismo quando saio do território para estudar, mas continuo resistindo porque quero que as próximas gerações não passem pelo que eu passei”, disse.
Taissa destacou a importância de manter viva a língua e a cultura de seu povo, muitas vezes ameaçadas. “Já disseram que nosso povo e nossa língua tinham desaparecido, mas seguimos existindo. A floresta é o meu território, e as mudanças climáticas têm tudo a ver com ele. Estou aqui para lembrar que resistir também é uma forma de existir.”
Laís Fleury, diretora de Relações Institucionais do Instituto Alana, trouxe uma reflexão sobre os desafios enfrentados por famílias e crianças nas cidades amazônicas, onde os impactos ambientais também se intensificam. Mãe de Elena, descreveu a contradição de viver cercada por rios e não poder aproveitá-los.
“Minha filha talvez nunca possa brincar nas águas onde eu cresci. Quase todos os nossos rios estão poluídos, e até o ar que respiramos é de má qualidade. O pior é que não temos dados suficientes para medir o impacto disso, e sem dados, não há como exigir direitos”, afirmou.
Laís defendeu o direito das crianças amazônicas a um ambiente saudável e destacou a importância da mobilização local e do papel das mães nas transformações. “Estar aqui é uma forma de garantir que a Amazônia urbana também seja ouvida. Queremos ar limpo, rios limpos e o direito de manter viva nossa relação com a natureza.”
Na sequência, a jovem Catarina Lorenzo, de 18 anos, da Bahia, integrante do programa “Children for Nature Fellowship”, uma iniciativa do Alana, destacou o papel da família e das novas gerações no ativismo climático. “Não importa idade, gênero ou origem. Se sonhamos, podemos fazer acontecer. Estou aqui porque minha mãe me ensinou a agir por mim mesma e lutar pelo que acredito.”
Para ela, o futuro das políticas climáticas depende da escuta e da inclusão efetiva das crianças e jovens nos espaços de decisão. “Somos as mais afetadas, mas também parte da solução. Queremos ser vistas como prioridade nas decisões.”
Representação infantojuvenil vai além da simbologia
Após a mesa realizada pelo Instituto Alana, Laís Fleury falou em tom analítico sobre o que mudou na participação de crianças e adolescentes nas conferências climáticas, e importância da participação da juventude e da pauta para a conferência.
“Eu acho que a participação das crianças nessa COP está ficando cada vez mais ativa. Hoje nós temos 1 bilhão de crianças que vivem em países de risco extremo. Nós fizemos um mapeamento e temos 126 crianças participando e eu acho que a gente já tem alguns marcos nesta COP, que trazem a perspectiva de que esta é a COP das crianças.”
Para além da declaração, o contexto confirma a mudança, pesquisas revelam que 56 dos 64 países que submeteram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) mencionaram formalmente os direitos de crianças e jovens, ou seja, cerca de 88% deles. Além disso, no Brasil, há reconhecimento institucional de que crianças e adolescentes são prioridade nas políticas de adaptação climática.
Laís ressaltou ainda que, no Brasil e no mundo, as crianças devem deixar de ser vistas apenas como vítimas da crise climática e passar a ser propostas como agentes de solução. “As crianças são sujeitos de direitos. Elas não só estão impactadas, como também precisam fazer parte das soluções. Elas têm muito o que dizer, elas têm muito o que compartilhar e elas são parte da solução.”
Este enunciado adquire força quando se considera que, no ciclo anterior de compromissos climáticos, a presença infantojuvenil na redação de planos nacionais era pouco sistemática. O avanço registrado indica que, na COP30, existe um ambiente mais propício para que as vozes das crianças e adolescentes transitem da plateia para a mesa de decisão.
Meninas no centro da solução climática
A ampliação da participação infantojuvenil, apontada por Laís Fleury, também encontra eco em um movimento paralelo, o fortalecimento da presença das meninas nos espaços de decisão sobre o clima. Durante a mesa, Déborah De Mari, fundadora da Força Meninas, destacou que a desigualdade de gênero se manifesta com força nas emergências climáticas, atingindo de forma mais severa meninas em situação de vulnerabilidade.
“As meninas serão as mais impactadas pela crise climática, sobretudo as que vivem em contextos de vulnerabilidade. Mas ver meninas conscientes de seus territórios, dispostas a pensar soluções, é crucial para criarmos novos futuros”, afirmou.
Para Déborah, incluir meninas nos debates ambientais é essencial não apenas pela representatividade, mas porque isso amplia o repertório de soluções possíveis. “É importante que elas sejam ouvidas para que outras meninas também se reconheçam como pertencentes a seus territórios e como agentes de mudança e transformação”, explicou.
O Força Meninas desenvolve programas de formação voltados a escolas públicas, com foco em ciência, tecnologia e inovação, criando oportunidades concretas de inserção social e econômica. “Não basta conscientizar; é preciso criar oportunidades. As meninas não são o centro da crise, são o centro da solução”, concluiu.
Juntas, essas vozes reafirmam que a COP das crianças é também a COP das meninas, uma conferência em que o cuidado e a equidade se consolidam como parte fundamental das soluções para o planeta.
A cobertura especial do Amazônia Vox na COP30 tem o apoio da Fundação Itaú, Roche e Tereos.















