Países debateram aniversário do tratado durante a Cúpula de Líderes, encontro que antecede a COP30, em Belém. Apesar dos avanços, o documento encontra desafios para se transformar em ação concreta
Autora: Mariana Vick
O Acordo de Paris, principal tratado global pelo combate à mudança climática, completa 10 anos em 2025, no mesmo ano em que o Brasil sedia a COP30. A conferência das Nações Unidas sobre mudança do clima começa na segunda-feira (10) e dura até 21 de novembro, em Belém, com a missão de dar continuidade ao texto adotado em 2015.
Como país anfitrião, o Brasil diz querer fazer da COP30 um marco global para a implementação do acordo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta sexta-feira (7) na Cúpula de Líderes, evento que antecede a conferência do clima, que o mundo está distante de atingir os objetivos do tratado. Apesar de avanços nos últimos 10 anos, o texto ainda encontra obstáculos para se transformar em ação concreta.
“Fazer da COP30 a COP da verdade implica reconhecer a ciência e os inegáveis progressos. Significa, entretanto, admitir uma verdade desagradável: o mundo ainda está distante de atingir o objetivo do Acordo de Paris”
Luiz Inácio Lula da Silva presidente da República, em sessão nesta sexta-feira (7), na Cúpula de Líderes, sobre os 10 anos do Acordo de Paris
Neste texto, o Nexo explica o que é o Acordo de Paris, o que marcou seus 10 anos de existência, quais são suas principais lacunas e quais decisões em relação a ele é possível esperar da COP30. Mostra também as sinalizações feitas na Cúpula de Líderes.
O que é o Acordo de Paris
O Acordo de Paris é um tratado internacional sobre mudança do clima. O texto busca limitar o aquecimento global a um nível “bem abaixo” de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais até o fim do século, fazendo esforços para limitá-lo, idealmente, a 1,5º. Cento e noventa e cinco países o assinaram na COP21, em Paris, em 12 de dezembro de 2015.
O acordo é considerado histórico por representar a primeira vez que um tratado climático envolveu todos os países na adoção de compromissos para a redução nas emissões de gases de efeito estufa. A cada cinco anos, os signatários devem apresentar suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), planos de combate à mudança do clima na escala nacional.
O tratado substituiu o Protocolo de Kyoto, que restringia a responsabilidade de combater a mudança climática às nações desenvolvidas. O texto foi assinado em 1997, na COP30, e não foi bem-sucedido. Os países industrializados o consideraram rígido demais, e grandes poluidores, como Estados Unidos e China, não aderiram.
O Acordo de Paris também foi inovador ao definir que as NDCs são voluntárias e devem ser renovadas a cada cinco anos, sempre com planos mais ambiciosos que os anteriores. O texto determinou ainda a criação de um fundo de combate à mudança do clima. Por meio dele, os países desenvolvidos devem ajudar os mais pobres a reduzir suas emissões e se adaptar aos efeitos mais danosos da crise do clima.
A COP21, que aprovou o Acordo de Paris, foi marcada pelo otimismo. O então chanceler da França, Laurent Fabius, considerou o acordo “equilibrado, ambicioso, durável, juridicamente obrigatório e justo”, enquanto Barack Obama, então presidente dos EUA, disse que o texto era “a melhor chance de salvar o único planeta que temos”.
O que aconteceu em 10 anos
O Acordo de Paris entrou em vigor em 2016, um mês depois da COP21, após ser ratificado pela quantidade mínima necessária de países que haviam assinado o texto. A regra era que ao menos 55 dos países responsáveis por 55% das emissões globais de gases de efeito estufa deveriam ratificar o tratado para que ele passasse a valer.
A ratificação é uma medida que os países signatários de qualquer acordo internacional executam para dar ao texto o mesmo valor de uma lei. Enquanto a assinatura de um acordo representa a manifestação do interesse de um país em se vincular a um tratado, a ratificação é o marco que indica que, a partir de então, esse país deve obedecê-lo.
195 países ratificaram o Acordo de Paris no total, segundo os dados mais atualizados
O Acordo de Paris resultou em avanços. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse nesta sexta-feira (7), na Cúpula de Líderes, que “a revolução da energia limpa está em plena expansão, embora precisemos garantir que todos os países possam aderir plenamente a ela. No ano passado, US$ 2 trilhões foram investidos em energias renováveis — o dobro do valor investido em combustíveis fósseis.”
“Sem esse ato de coragem coletiva [a aprovação do acordo], ainda estaríamos caminhando para um futuro impossível de aquecimento descontrolado, de até 5ºC. Graças a ele, a curva foi para abaixo de 3ºC — o que ainda é perigoso, mas prova que a cooperação climática funciona”
António Guterres secretário-geral das Nações Unidas, em discurso nesta quinta-feira (7), na Cúpula de Líderes
Apesar disso, o tratado tem lacunas. Em 10 anos, as emissões de gases de efeito estufa dos países não diminuíram, os eventos climáticos extremos cresceram, as discussões sobre financiamento empacaram e dezenas de países ainda não submeteram novas metas climáticas em 2025. O acordo também teve perdas, como a saída dos EUA nos governo de Donald Trump.
Quais são as principais lacunas
Financiamento
O financiamento é uma das principais lacunas do Acordo de Paris. Em 2024, na COP29, em Baku — onde os países tiveram que aprovar uma nova meta para o fundo de combate à mudança do clima criado em 2015 —, os países resistiram a entrar em consenso, e o acordo quase não saiu. O texto final da reunião definiu US$ 300 bilhões anuais em apoio para países em desenvolvimento, quando essas nações pediam um valor cerca de quatro vezes maior: US$ 1,3 trilhão.
Emissões
Em novembro, o relatório Emissions Gap Report, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, mostrou que as emissões de gases de efeito estufa bateram novo recorde e chegaram a 57,7 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2024 — o que representa um aumento de 2,3% em relação ao nível de 2023. Além de não terem caído, as emissões cresceram em nível mais acelerado que no ano anterior.
Meta de 1,5ºC
Com isso, o Emissions Gap Report afirmou, pela primeira vez, que a temperatura média global deve ultrapassar o número estabelecido na meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, que fala em manter o aquecimento global em 1,5ºC até 2100. Em 2024, o ano mais quente já registrado, a temperatura média global superou esse patamar, atingindo 1,6ºC de aquecimento em relação aos níveis pré-industriais, segundo o Observatório Copernicus, da União Europeia.
Planos insuficientes
Essas conclusões têm a ver, em grande medida, com os planos climáticos — ou NDCs — dos países que aderiram ao Acordo de Paris. Segundo o Emissions Gap Report, as NDCs apresentadas até 2024, se cumpridas à risca — o que não está ocorrendo —, levariam a um aquecimento de 2,3ºC a 2,5ºC em 2100. Em 2025, por regra do tratado,as nações devem apresentar novos planos, mas só 79 o fizeram até agora, segundo o site ClimateWatch.
Combustíveis fósseis
Outro relatório — o Production Gap Report, publicado em setembro pelo Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo — atestou outra lacuna para se chegar à meta de 1,5ºC. Segundo o texto, os níveis de produção de combustíveis fósseis que os países planejam para 2030 superam em mais de 120% os limites compatíveis com o principal objetivo do Acordo de Paris, e em mais de 60% os limites compatíveis com a meta de 2ºC.
Multilateralismo
Os EUA, segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, saíram do Acordo de Paris nos dois mandatos de Donald Trump na Casa Branca. O anúncio da saída mais recente ocorreu em 2025 e ainda deve ser concluído. A medida ocorre num contexto de enfraquecimento do multilateralismo, considerado fundamental para a ação climática.
O que esperar para a COP30
Essas e outras lacunas do Acordo de Paris foram alvo de discussão nas últimas conferências do clima e voltam para a agenda da COP30, que começa na segunda-feira (10), em Belém. O Brasil, que preside o evento, diz que quer transformar o encontro num marco global de implementação do Acordo de Paris, com foco no multilateralismo e em ações concretas.
A presidência brasileira diz priorizar na agenda da conferência:
- a valorização da Amazônia como solução climática
- o financiamento justo para países em desenvolvimento
- a promoção de transições justas e inclusivas
- a integração entre clima, biodiversidade e justiça social
O financiamento ganhou atenção especial às vésperas da conferência. Na quarta-feira (5), as presidências da COP29, em Baku, e da COP30 divulgaram um documento chamado Roteiro Baku-Belém, com propostas para mobilizar pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano em apoio financeiro para países em desenvolvimento até 2025. Segundo o texto, chegar a esse valor é possível, mas a tarefa exige esforços — que, além de mobilizar as fontes de financiamento tradicionais, incluem medidas como:
- precificação de carbono
- taxas sobre aviação ou transporte marítimo
- impostos sobre a venda de bens como tecnologia e armamentos
- impostos sobre transações financeiras
- impostos mínimos sobre empresas
- impostos sobre a riqueza
Segundo o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, o roteiro não está inserido diretamente entre os itens de negociação da conferência, nem será reconhecido ou aprovado formalmente no encontro, mas é uma contribuição — ou, como o próprio nome sugere, um roteiro para que o mundo dê escala ao financiamento climático.
“Sem incluir o capital privado, a conta não fechará. A maior parte da riqueza mundial gerada nas últimas quatro décadas foi apropriada por indivíduos ou empresas. Ao mesmo tempo, os orçamentos nacionais encolheram”
Luiz Inácio Lula da Silva presidente da República, em sessão nesta sexta-feira (7), na Cúpula de Líderes, sobre os 10 anos do Acordo de Paris
Apesar desses esforços, o Brasil diz que dar início à implementação do Acordo de Paris na COP30 envolve desafios. Um deles é alinhar os compromissos de países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre o financiamento — o que não ocorreu na COP29, em Baku. Além disso, é preciso garantir que as metas de redução de emissões sejam compatíveis com o tratado e com os impactos socioeconômicos da mudança climática sobre populações vulneráveis.
H2 O que saiu da Cúpula de Líderes
A Cúpula de Líderes, que ocorreu entre quinta (6) e sexta-feira (7), em Belém, sinalizou ainda outras prioridades que poderão aparecer na COP30. Tradicionalmente, a reunião tem o potencial de influenciar o rumo das negociações na conferência da ONU. Além de temas que já estão na agenda oficial, como financiamento, o evento deu destaque a assuntos como combustíveis fósseis e proteção a florestas.
A quinta-feira (6) foi marcada pelo lançamento do TFFF, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, por exemplo. Mais de US$ 5,5 bilhões estão garantidos para o mecanismo, que teve o endosso de 53 países, segundo o governo federal. O fundo deve buscar investimentos para compensar o custo econômico de não desmatar florestas tropicais.
Já o segundo dia da cúpula foi marcado pela adoção de três novos marcos:
- o Belém 4X, que propõe quadruplicar o uso de combustíveis renováveis até 2035
- a Declaração de Belém sobre Fome, Pobreza e Ação Climática Centrada nas Pessoas, que dá prioridade para questões de justiça e adaptação
- a Declaração sobre a Coalizão Aberta de Mercados Regulados de Carbono
Lula afirmou em sessão sobre os 10 anos do Acordo de Paris na sexta (7) que o tratado “se baseia no entendimento de que cada país fará o melhor que estiver a seu alcance para evitar um aquecimento de mais de 1,5ºC. O que nos cabe perguntar hoje é: estamos realmente fazendo o melhor possível? A resposta é: ainda não”.
Esta reportagem foi produzida por Nexo, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2025/11/07/acordo-de-paris-10-anos-mudancas-climaticas















